Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 90

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 adultos contavam á boca pequena. Uma menina morta tinha sido enterrada no charco, mas ninguém ousava falar sobre ela - a Tilia. O sumiço da menina fora há muito tempo atrás e houve especulações se teria sido assassinato ou suicídio. Deste “causo” só ficamos sabendo muito depois. O sol se deitava bem devagar naquele dia que teimava em não anoitecer. Segui inebriada pela aventura, a respiração contida e o coração aos pulos. Medo? Dominado. Os últimos raios do sol iluminavam brandamente o interior do túnel de chorões. Meus passos eram lentos, escolhendo onde pisar para não escorregar. Parei pensando ouvir um ruído, uma voz. Não! Era uma música! “Minha mãe me penteou, minha madrasta me enterrou, pelo figo da figueira que o passarim bicou”. Ouvi com nitidez aquele canto que se repetia, repetia... Estática permaneci, não sei quanto tempo e então vi, saindo do meio do pântano, uma imagem nunca esquecida. Uma criatura pequena, uma menina? Desgrenhada e suja de lodo que emergiu num redemoinho e sustentou- se no ar, sempre girando. Girando e cantando. Não dava para ver seu rosto, só o vulto. Assim permaneceu e, de repente, num movimento centrípeto, subiu ainda mais no ar e desmanchou-se como uma chuva de areia, caindo no charco e o canto silenciou-se. Quanto durou aquele silêncio? Impossível saber. Grudada no chão permaneci esperando mais alguma surpresa que não veio. Contar o acontecido? Nem pensar. Ficou guardado como mais um segredo dos muitos da minha infância. O mistério permaneceu. Teria sido mesmo Tilia? Vislumbres de uma imaginação fértil de uma menina curiosa? O beco de Tilia hoje é uma rua pavimentada e o pico do Cauê só uma lembrança. A mineração acabou, os tios ficaram desempregados, vovó Biquita morreu. E Tilia e seu redemoinho? 85