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LiteraLivre nº 5
- Setembro de 2017
O Beco de Tilia
Ana Lúcia Magela
Monte Alegre do Sul/SP
Não era um beco qualquer. Lá havia alguma coisa de muita estranheza.
Começava do lado esquerdo da casa de nossa avó Biquita e, até onde se
sabe, sumia-se na mata fechada. Vovó tinha uma casa assobradada,
cheia de quartos que nunca consegui conhecer por inteiro. Lembro-me
da grande sala, de uma mesa enorme (ou parecia tão grande pelo meu
pequeno tamanho?) escura, de jacarandá. Um papel de parede que
tenho fotografado em minha memória, com cenas de caça em florestas,
já um tanto encardido pelos anos exposto, mas que ainda conferia uma
certa nobreza aquele antigo palacete, já em ruínas. Não conheci o lugar
no seu esplendor. Naquele tempo de prosperidade, embora já findado o
ciclo do ouro, a extração era de minério de ferro. A cidadezinha tinha
crescido em torno do pico do Cauê. Todos os meus tios trabalhavam para
a mineradora. Ainda havia muita mata nativa que a mineração
devastava. O beco era um caminho escuro e úmido, onde vicejavam
samambaias gigantes, avencas e musgos. Muita recomendação dos
adultos para que, nós crianças, não embrenhássemos naquele beco.
Cheguei, certa vez, até onde nascia o riachinho, um fiapo d’água que
devia se ir aumentando até chegar sabe-se lá onde. O chão de pedras
era escorregadio, intercalado com a terra vermelha. Bambus chorões
debruçavam-se sobre o caminho e barravam a luz do dia, num lusco-
fusco de poente, mesmo quando ainda era de manhãzinha. Aranhas
teciam suas teias e incomodavam a passagem com aquelas enormes
redes, quase invisíveis, que faziam cócegas quando nelas nos
encostávamos. As proibições de lá entrarmos não eram maiores que as
tentações da curiosidade infantil. Aproveitávamos quando os adultos se
recolhiam para a sesta, depois do almoço, para nos arriscarmos em
nossa aventura de descobertas. Assim, catalogávamos mentalmente os
variados insetos, alguns peçonhentos, como as lagartas de fogo e as
gorduchas e cabeludas “mede-palmo”. Sapos variados e pererecas
pulavam com a nossa presença e era divertido assustá-los. Nada de vida
que se movia nos era temerosa. Mas as excursões se tornavam mais
excitantes quando o sol se punha. Ali era a hora de mais mistério e eu
me esgueirei, sozinha, para o beco. Fui até onde começava o charco, o
lugar dos miasmas. No ar um cheiro de lodo e plantas submersas,
decompostas. Por que o beco tinha o nome de Tilia? Era um caso que os
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