Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 56

LiteraLivre nº 5 - Setembro de 2017 Extremos Aparecida Gianello dos Santos Martinópolis - SP As palavras dele sobre a tal aparição, certa vez, em sonho lúcido, ainda pululam minha mente, tornando meu imaginário ainda mais fértil. Bastava começar a falar que eu logo entrava na roda de ouvidos atentos e olhares fixos. Todos nele. Prolixo, se agradava em contar tudo, tintim por tintim. Era um lugar, dizia, de um verde só, numa invernada bonita, onde tudo aconteceu. Estava lá, parado, ninguém por perto, quando foi se achegando um bando de ovelhas. Atrás, um moço, bem-apessoado, roupas limpas, sandálias nos pés, escritinho às figuras lá da igreja. Bateu no chão uma, duas vezes com seu cajado, parou sorrindo branco, branco: “Se quiser me seguir, faça o que eu estou fazendo!”, me falou assim, com estas mesmas palavras. Quando quis responder, o moço: “Faça o que estou fazendo!”, e se foi, levando suas ovelhas e todo aquele verde de doer os olhos. Foi que acordei pra vida, disse, e agora está aí, com ideia fixa, certeza de que era o próprio Cristo. Se alguém tinha dúvidas, não era eu, jamais duvidei. Obstinado, fez direitinho como lhe mandou o moço. Derrubou plantação, ergueu igreja, virou pastor. O povo se ajuntou feito formigas no doce, virou multidão. Naquelas bandas não se falava noutra coisa agora. Mas não demorou esse mesmo povo, que em nada diferia das ovelhas na sua burrice, deu de empacar. E ele foi se agoniando, agoniando, até que largou de mão. Foi-se embora pra bem longe, procurar invernada bonita lá no extremo sul. Abriu negócio de tosquia. Deu sorte. 51