Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 5ª edição | Page 43
LiteraLivre nº 5
- Setembro de 2017
Dia Chuvoso
Eni Ilis Rivelino
Campinas/SP
Dia chuvoso, cinza. Faz diferença se cedo ou tarde? Não, não faz, porque a
rotina segue seu curso como o ônibus. Num dia como hoje seria oportuno ter
nas mãos um livro do Guimarães e seu sertão? Ter nas mãos, porque abrir o
livro e deixar o olhar nele passear, é esforço que esse cinza do dia não deixa.
Carregar nas mãos o sertão, um seco, uma poeira. Deve ser bom, carregar
um livro de Guimarães num dia assim. Quem sabe da próxima vez em que o
dia se repetir aventure-se. E agora? Olhar as gotas que escorrem no vidro ou
olhar através do vidro e ver a chuva golpeando os passantes?
Passantes no dia chuvoso, cinza. Exceto aquela que chega e para e espera.
Pés encharcados, guarda-chuva molhado fechado. Goteira a fazer-se em
companhia incomoda. Passa um, passa outro e o esperado não. Guarda chuva
fechado numa mão, caderno fechado na outra. Caderno fechado com os
exercícios para a semana seguinte. Exercício fechado no caderno, mas
ricocheteando na cabeça – dada situação x, qual a reação de y? feita a ação y,
qual a consequência em x? Como inventar, saber, seguir? O barulho da chuva
despencando também parece gritar esse ‘como’. Gritar e esconder, porque o
olhar não para de procurar a situação para registrar. Registrar para esmiuçar.
Esmiuçar para imaginar. Imaginar para ter concluído a tarefa? Suspiro. Olha
para a direção do ônibus que começa a avançar ante o sinal verde e vê cabeça
encostada no vidro estriado com a água da chuva. Uma pessoa com a cabeça
encostada no vidro da janela de um ônibus em movimento, é uma situação?
Novo suspiro e a rua sendo percorrida por outros carros e ônibus, mas ainda
não o esperado.
Tivesse um livro com o sertão, talvez não tivesse o peso que pesa esse dia.
Tanto peso e cinza, gostaria de ver sombrinha vermelha a atravessar essa faixa
38