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LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018
Noite da Véspera
Alberto Arecchi
Pavia – Itália
O homem estava avançando no caminho, para a luz bruxuleante do casebre
em ruínas. A grama rangia sob as solas pesadas de seus sapatos velhos. Uma
rajada de vento perfurou o nevoeiro e trouxe o som dos sinos. Na igreja da vila
começava a missa de Natal. O canal estava a poucos passos de distância, e na
escuridão seria suficiente colocar um pé errado para deslizar na água. Ele
apertou a garrafa na mão e correu em direção à casa. Nos degraus, quase
completamente cobertos por grama, flutuava uma nuvem de luz. O homem ouviu
umas vozes, se escondeu atrás da porta e olhou para dentro. Dois círios estavam
acesos. No chão, outra vela. Empacotado em uma casaca enorme e consumpta,
um homem velho estava agachado com as pernas cruzadas e tentava acendê-la:
a agarrava e aproximava o fósforo, mas quando as chamas vieram tocar o pavio
o tremor violento de suas mãos já tinha desligado. A mulher agachada ao lado
dele riu: era uma risada estridente, pesada, benevolente. Ela arrebatou os
fósforos e acendeu a vela. O novo brilho flutuante desenhou sombras nas
paredes. O homem por trás da porta hesitou. O quê faziam esses dois? Por que
tinham chegado ali mesmo, no seu retiro? Ele empurrou a porta e as dobradiças
enferrujadas rangeram. O velho e a mulher levantaram a cabeça bruscamente.
"Como vocês conseguiram entrar?" Deixou-se escapar o dono "legítimo".
"Estava aberto!" Murmurou o velho, encolhendo os ombros e aconchegando-se
mais profundamente em seu casaco disforme.
"Se você é o proprietário, pedimos humildemente perdão, - acrescentou a
mulher - mas entramos sem forçar qualquer porta ou fechadura, e nenhum
alarme nos avisou que estaríamos em casa alheia. Nós pensamos mesmo
procurar abrigo aqui, pelo menos por uma noite".
O tom da resposta não escapou o homem, que se sentiu compelido a mudar
sua expressão de agressão inicial para a condescendência de um verdadeiro
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