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LiteraLivre Vl. 2 - nº 10 – Jul/Ago. de 2018 O Jardineiro, a Rosa e a Incrível Aranha-Preta Roberto Luiz Brant Campos Brasília/DF E em chegando, disse assim o jardineiro à rosa: – Vens comigo? A rosa, sem saber de viagem nenhures, intercalou: – Seu moço, que aqui chega, onde de ermo tal nem cá vem bater a lua, existe o “ir-se”? O jardineiro, estupefato que nem um ursinho de pelúcia, tergiversou: – Ora pois, o “ir-se”. Tu tornas a conversa uma farsa se começas nesse tom. – Mas se não sei o ir-se é só porque não fui ainda. O ir-se é ser, o estar é ficar e eu não tenho desejos. Prosseguindo o caminho, abilolado, já lá ia o jardineiro embora, cabeça baixa, afigadado, depois que aquilo lhe confessara a rosa. Mas, disse-se de a rosa ter espinhos é quando de tão bela ela tem que defender-se. E o velho jardineiro então tentou mais uma vez e assim parece que falou: – Rosa, tu és tão bela que eu, esse pobre jardineiro, como tu vês, quero levar-te comigo. Se tu confessas tua ausência de desejos, eu descaibo dos meus. Se o ir- se é ser, eu sou e então tenho, tremo por ti. Terias o universo indo comigo. Uma chave virou-se no coração da rosa. Ela já que já esboçava um sorrisinho, assoprando um ventinho em volta. – Seu jardineiro, vivo aqui neste umbral, pedra sobre pedra. Conta-me a hera que aqui era um alegre, bonito e bem cuidado jardim, noutras eras; hera ancestral. Quando de manhã acorda-me a aurora, já orvalhada nem vou ficando mais e converso longas caminhadas com aranha-preta sempre que ela vem me visitar. E da cigarra cantar para chover, da efeméride de grilos quando cai o sol por cá, do cantar eterno da cachoeira, de tudo isso eu sei. O frio da noite nem me assusta, o buchicho dos lagartos me faz cócegas no peito. O brilho da lua estufa minhas pétalas. E de tão bonita que sou e de tão bonito isso que eu sei, 100