LiteraLivre Vl. 2- n º 10 – Jul / Ago. de 2018
Ele começou a latir para mim, começou latir desesperadamente como se soubesse o que eu fizera. A minha atenção, infelizmente, já não estava mais lá, eu encarava a estátua na entrada da igreja matriz a minha do outro lado da rua, um anjo, um lúgubre anjo segurando uma bacia de água da qual as pessoas se benziam antes de entrar. Mais dois cachorros sarnentos se aproximaram da sacada latindo para mim desesperadamente.
Eu juro que aquele anjo, mesmo olhando em direção reta, me encarava atentamente, com um olhar triste de quem estivera me culpando pelo que acontecera. Eu merecia que alguém me culpasse, eu merecia que todas as pessoas me culpassem. Mais cães se aproximaram latindo para mim, toda a matilha agora fazendo uma asquerosa melodia de ódio pelo que ei fizera. Mesmo assim os meus olhos estavam ligados aos do anjo, eu não conseguia produzir nenhum som, estava tão envergonhado pela presença de alguém tão puro sendo eu um assassino que me abaixei para que não visse o meu rosto. Pedindo perdão, pedindo um milhão de vezes o perdão que não fora concedido enquanto cada vez mais alto os cachorros latiam para mim.
A minha esposa era tão boa, ela alimentava os cães de rua que naquele momento clamavam por ela, mesmo sendo tão boa eu a matei, eu não lembrava por que matara ela, mas do que isso importava? O importante era que eu tinha tirado uma vida, uma vida que não merecia isso e agora as consequências viriam.
Se passaram horas, éons em minha perturbada imaginação até eu me decidir o que fazer, eu me lembro de como o meu corpo inteiro excitou quando me levantei e desci a escada e passando debilmente pelo vulto gargalhando loucamente, eu seguindo a ordem do anjo involuntariamente, andando passos sem vida, chegando de frente para a cômoda e olhando atentamente para o telefone, meu corpo tremia, horas se passaram, meu corpo já pedia comida e água, mas eu continuava paralisado nesse mesmo lugar, olhando para o telefone, me decidindo o que iria fazer. Incontáveis vezes levei em conta a possibilidade de sumir com o corpo, viver uma vida de mentiras até ela ser tirada de mim. Mas algo mais forte me torturava, o arrependimento pelo que fizera, a pena dos cães que latiam e uivavam de lamentação e o medo dos olhos petrificados do anjo que me dizia sem palavras para continuar.
Eu digitei os três números, primeiro, segundo e terceiro, já sem tremedeira, decidido a fazer algo, mas ouvi o som da atendente tentando falar comigo enquanto eu estava preso em um profundo silêncio. Olhei para o oval espelho em minha frente, vendo lá longe o cadáver deitado e sobre ele o vulto que me fizera fazer aquilo, gargalhando mefistofelicamente, rindo de mim por não ter coragem de fazer nada e estar aceitando a verdade sobre mim, de ser o assassino. Me opondo ao vulto eu falei pelo telefone o que eu fiz.
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