Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 10ª edição | Page 143

LiteraLivre Vl. 2- n º 10 – Jul / Ago. de 2018
com tamanho carinho e amor que se sentia embalado e sustentado por aquela imensidão de cuidado. Quando, na escola, perdia um jogo, errava alguma brincadeira, não era escolhido a participar corria para ela que lhe dava aquelas pílulas de conforto e carinho. Percebia seu pequeno reflexo nas retinas dela ao mesmo tempo em que se percebia imenso na esperança de sua grandeza, gravada naqueles mesmos olhos. Um dia, sem aviso, ela se foi, muitas pílulas traziam-na e o acalmavam, tamanho vazio pedia mais, mais, mais, eram os olhos dela que o abraçavam naquelas pequenas cápsulas coloridas, seu carnaval. Assim, ampliava quantidades, carregava-as consigo, pequenos afagos nos frascos. Sua existência era um efeito colateral, passou a crescer, aos olhos do mundo, aos seus e, com satisfação, sabia preencher os da mãe. Farmácia entregava, muitos descontos, não saiu mais de casa, e crescia, crescia, os tecidos começaram a se esgarçar e se tornaram redes, um líquido meio escuro saia-lhe por essas malhas, o cheiro, pútrido para outros, para ele perfume dos remédios, cabelos, unhas, dentes, ossos desprendiam-se... Grande, imenso, orgulhoso de si, fechou a tampa. Dizem na cidade que a casa exala formol, e que nunca ninguém conseguiu entrar, apenas um senhor de idade, menino ainda à época, conta que certa vez pode ver por uma fresta, inexistente já há anos, montanha de cápsulas e frascos de remédios misturados em enorme massa disforme, mas não jurava por seus olhos... escuridão.
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