Revista LiteraLivre edição especial - 03 | Page 44

LiteraLivre Edição Especial nº 03 - 2019 Prelúdio Regina Ruth Rincon Caires Araçatuba/SP Pela escuridão do quarto, imagina ser noite. Ou madrugada... Perdera a noção do tempo. Foram muitas mortes, muitos renascimentos. Tanta aflição, tantas dores, tanta luta! Mas, agora, vindo não se sabe de onde, é invadido por um deleitoso sossego. No silêncio, entrecortado pelo gotejar do soro no equipo, os pensamentos, de maneira incansável, se avolumam, se atropelam como se disputassem uma corrida derradeira. E no peito, o retumbe do coração mais parece o bater das asas inexperientes do menino passarinho. Sabe que está longe disso. A inércia do corpo não lhe permite observar aquilo que não esteja na direção dos olhos. Vê o teto, apenas o teto. Ainda lhe restaram os ouvidos. Ouve perfeitamente. E sente o toque. Incomoda-se quando percebe os olhos mendicantes de Leninha. Sabe que ela procura uma certeza. Quer saber se ele está ali, se a escuta, se a reconhece. Mas, infelizmente, não tem o controle da resposta. Leninha deve estar por ali, em algum lugar do quarto. Há um ressonar leve espalhado na penumbra, tão leve quanto ela. Companheira de vida, cumplicidade velada. Filhos não brotaram. Apesar de a expectativa levada por toda vida, percebeu que a esperança escorreu pelos cantos dos olhos quando Leninha sentiu que as regras haviam cessado. Neste dia, chorou. Foi a única vez que se mostrou derrotada. Aconchegada nos braços ternos de Nestor, extravasou a dor da frustração. Alisava a barriga com desdém, com raiva, dizendo-se seca, estéril. Menosprezava-se. E sabe que deveria ter amenizado a dor da companheira. O problema poderia não estar com ela! Nunca avaliaram, nunca procuraram orientação [41]