LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
esgotados os sons aflitivos de um gatito assustado, o petiz não esgotava as
lágrimas ao longo do rosto juvenil enquanto se dividia em soluços e explicações
ao corpo de bombeiros encaminhados para o incidente.
A boca do poço como a boca entreaberta de um mundo do outro lado do mundo,
o poço como o umbigo da terra ligando as redondezas de todos os dias a um
outro mundo embrenhado em gemidos de pânico e labirintos de medos e bichos
horrendos, o poço que sempre ali estivera escondido e alheado das aventuras e
das certezas que nascem em cada dia ao longo dos raios de sol e de luar.
A gente existe na esperança permanente de um milagre, o petiz medindo a pulso
e nervos em franja as operações de descida do bombeiro ao longo de uma cesta
de salvação ao encontro de uma assustadora escuridão, ao encontro de uma
alegria de salvação, ao encontro de raízes entrelaçadas em redor de pedras tão
velhas quanto algumas memórias de velhos, ao encontro de uma história de
encantar como aquelas estórias de duendes e dragões e fadas e capuchinhos
vermelhos contadas ao longo de esperanças de noites para dormir sem
sobressaltos …
A corda resvalando ia sobre pedras e musgos se desfazendo como se desfazem
os sonhos à beira de um precipício, a corda levando para dentro do bicho papão o
herói salvador de gatinhos perdidos nos labirintos da aventura dentro de uma
terra negra e estranha feita de raízes hediondas e pedras esquecidas do tempo
dos jogos ao pião e dos saltos à corda e das lengalengas de bichos e monstros e
milagres imperfeitos …
A corda parada na geringonça dos gritos de regozijo e nas mensagens de êxito
lançadas pelos ares cobertos de uma noite cerrada, a corda indicando o caminho
da salvação do diabo de um gatito travesso, a corda enrolando-se num sarilho de
olhares e de ruas e caminhos ingremes e olhitos de gato travesso correndo e
saltitando de galho em queda, a corda revelando já o início da cesta onde se
erguia nas mãos do bombeiro o diabo do gatito arregalando os olhos na quase
escuridão das suas cores, os olhos arregalados do petiz na ponta das suas mãos
ao encontro do gatito abanando a cauda em ansiedade e carinhos comovedores,
a corda resvalando ainda nas pedras velhas cobertas de miséria e de tragédia, a
corda resvalando ainda mais sobre pedras malditas se desboroando em pedaços
de desgraças e correrias sinistras em redor da boca de um monstro insatisfeito,
as pedras arrastando em gritos e olhares de pânico as mãos esticadas do
bombeiro para dentro de uma profundidade amaldiçoada, as pedras carregadas
de perversidade se desboroando e esmigalhando em pedaços de trevas e
tragédia, as malditas pedras de velhos muros construídos por mãos calejadas em
redor de longas estórias de vida e de encanto …
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