LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
Imaginários
A. P. de Melo
África do Sul
“Você nunca saiu do Brasil”. Eu lhe disse sem me virar da poltrona do ônibus
interestadual onde sentávamos lado a lado, mantive o rosto colado à janela e os
olhos fixados nas estrelas do cerrado.
“Rasguei o passaporte na terceira vez que me negaram o visto, foi humilhação
demais, agora não quero mais ir, meu lugar é aqui onde nasci”. Respondeu ela
enquanto girava o corpo magro em minha direção como se buscasse a minha
face impenetrável.
Percebendo a sua insistência, fechei os olhos e imaginei os dela, grandes e
esverdeados, cujas pestanas piscavam mais aceleradamente que a boca quando
ela falava. Grandes e grossos eram também os lábios, desproporcionais para um
rosto de mulher pequena. Era como se nela olhos e boca competissem, nunca
podendo se enfrentar numa batalha física atacavam-se ritmicamente.
“Olha pra mim. Ei, me ouviu não”? Disse ela me cutucando com o dedo.
Resignando-me ao seu apelo que agora era já era físico e que fazia doer minhas
costelas por causa da unha pontiaguda, virei para olhá-la. No meu pavor de
encará-la, delirei. Era como se os olhos dela se despegassem do rosto e
levitassem a um palmo de distância da cara em sentido horizontal enquanto a
boca permanecia ao fundo, colada ao rosto, fora de foco. As pestanas longas
fechavam-se e abriam-se num descompasso frenético enquanto que ao fundo e
fora de foco, a boca fazia o mesmo. Aquela imagem me levou ao pânico, quis
furar com os dedos aqueles olhos grandes e verdes que pareciam pregados a
mim.
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