LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
Fascínio
Maria Carolina Fernandes Oliveira
Pouso Alegre/MG
Não me atenho à hipocrisia de criticar a rotina, sou eu que a componho e é dela
que me faço e me construo. Contudo, não nego, sua composição às vezes me
cansa. Estudos demais, trabalhos demais, pessoas demais e abraços de menos. E
quando esse desequilíbrio vem à tona, normalmente em manhãs cinzentas de sol
desbotado e de pouco brilho por entre a cortina, entrego-me à poesia. Poesia que
acolhe, que aconselha e que afaga. Poesia e ombro de Drummond como meu
refúgio. Versos que estendem as mãos. Mas não me julgue por não buscar o colo
daqueles que ainda vivem. É mais fácil desabafar em folhas de papel. E o sebo é
logo ali.
Saí de casa pela manhã e o sol não me esquentou. Cheguei ao sebo ainda com
frio e corri para a estante dos versos. Dentre vários, "Claro Enigma" me
escolheu. O livro estava conservado, mas não escondia a impiedade do tempo.
Uma obra nascida na década de 50 já presenciou lágrimas, sorrisos, viagens e
estantes. Ganhou, pois, o amarelado dos dias e o amassado das mãos. Não
perdeu, entretanto, seu fascínio. Corri para casa querendo saboreá-lo o quanto
antes, e ao abri-lo, me vi de posse de uma das maiores maravilhas de se
comprar uma obra antiga - uma tenra dedicatória na primeira folha.
"Ei, Sofia... Há quanto tempo não a vejo. Éramos tão jovens, mas ainda consigo
ouvir sua gargalhada. Estás tão longe de mim que ao pensar em ti preciso criar
uma imagem. Creio que não cortou os longos cabelos, que brilham ainda mais
teus olhos de jabuticaba, e mais rubros estão teus rubros lábios. Não escrevo,
todavia, em vã intenção. Envio a ti esse livro, pois há nele amor e vida e amor e
sensatez, quase a própria composição de Sofia. Se certo eu estiver, irás gostar. E
finalizo contando que boas novas virão. E que hei de cumprir minha promessa.
Por ora, me vou. Fique com Drummond, e se atenha aos versos do poema
'Amar'. De todo o meu coração, Augusto."
Folheei desesperada até encontrar os versos do poema que foram dedicados por
ele a Sofia. Já o havia lido antes, contudo, queria compreendê-lo sob os olhos de
Augusto. No poema, o eu lírico era claro – o indivíduo é feito para amar. Amar as
pessoas, amar os detalhes, amar a vida. Entendi, pois, um pequeno pedaço do
grande motivo que fazia Augusto amar aquela mulher, que outrora estivera ao
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