Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 68

LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018 Fascínio Maria Carolina Fernandes Oliveira Pouso Alegre/MG Não me atenho à hipocrisia de criticar a rotina, sou eu que a componho e é dela que me faço e me construo. Contudo, não nego, sua composição às vezes me cansa. Estudos demais, trabalhos demais, pessoas demais e abraços de menos. E quando esse desequilíbrio vem à tona, normalmente em manhãs cinzentas de sol desbotado e de pouco brilho por entre a cortina, entrego-me à poesia. Poesia que acolhe, que aconselha e que afaga. Poesia e ombro de Drummond como meu refúgio. Versos que estendem as mãos. Mas não me julgue por não buscar o colo daqueles que ainda vivem. É mais fácil desabafar em folhas de papel. E o sebo é logo ali. Saí de casa pela manhã e o sol não me esquentou. Cheguei ao sebo ainda com frio e corri para a estante dos versos. Dentre vários, "Claro Enigma" me escolheu. O livro estava conservado, mas não escondia a impiedade do tempo. Uma obra nascida na década de 50 já presenciou lágrimas, sorrisos, viagens e estantes. Ganhou, pois, o amarelado dos dias e o amassado das mãos. Não perdeu, entretanto, seu fascínio. Corri para casa querendo saboreá-lo o quanto antes, e ao abri-lo, me vi de posse de uma das maiores maravilhas de se comprar uma obra antiga - uma tenra dedicatória na primeira folha. "Ei, Sofia... Há quanto tempo não a vejo. Éramos tão jovens, mas ainda consigo ouvir sua gargalhada. Estás tão longe de mim que ao pensar em ti preciso criar uma imagem. Creio que não cortou os longos cabelos, que brilham ainda mais teus olhos de jabuticaba, e mais rubros estão teus rubros lábios. Não escrevo, todavia, em vã intenção. Envio a ti esse livro, pois há nele amor e vida e amor e sensatez, quase a própria composição de Sofia. Se certo eu estiver, irás gostar. E finalizo contando que boas novas virão. E que hei de cumprir minha promessa. Por ora, me vou. Fique com Drummond, e se atenha aos versos do poema 'Amar'. De todo o meu coração, Augusto." Folheei desesperada até encontrar os versos do poema que foram dedicados por ele a Sofia. Já o havia lido antes, contudo, queria compreendê-lo sob os olhos de Augusto. No poema, o eu lírico era claro – o indivíduo é feito para amar. Amar as pessoas, amar os detalhes, amar a vida. Entendi, pois, um pequeno pedaço do grande motivo que fazia Augusto amar aquela mulher, que outrora estivera ao 63