LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
feliz naquele exato instante. Invejou cada poro do ucraniano que estava sendo
feliz no lugar dele.
Quando a luz se apagou, a sala ficou completamente escura. Mas eles
continuam lá. Dá pra ouvir quando respiram.
*
A promessa se cumpre.
“Está chovendo.”
“Você tirou a roupa da corda?”
“Sim.”
Que bom seria se todos os nossos diálogos contassem com um Nelson
Rodrigues supervisionando.
Que bom seria se ao olharmos no espelho não víssemos apenas nós
mesmos.
“Vem cá. Deita aqui do meu lado.”
Ele deita. Se aconchegam um no outro.
“Pensando em quê?”, é sempre ela quem fala.
“Na Ucrânia.”
“Ucrânia? Por que Ucrânia?”
“Por nada. Por tudo. Que horas são na Ucrânia agora?”
“Umas três da tarde.”
“Quantas pessoas vivem lá?”
“Umas cinquenta milhões.”
“Qual é a capital deles?”
“Kiev.”
“E o PIB?”
“Não faço a menor idéia. Mas prometo que quando você morrer eu mando
te enterrarem lá.”
No escuro, aninhado na pele quente dela, ele sorri.
*
Nesse mesmo instante, no centro de Kiev, na Ucrânia, o sujeito parou no
meio da rua e olhou ao redor. Depois continuou andando. Mas agora não via
graça em mais nada na vida.
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