Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 48

LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018 feliz naquele exato instante. Invejou cada poro do ucraniano que estava sendo feliz no lugar dele. Quando a luz se apagou, a sala ficou completamente escura. Mas eles continuam lá. Dá pra ouvir quando respiram. * A promessa se cumpre. “Está chovendo.” “Você tirou a roupa da corda?” “Sim.” Que bom seria se todos os nossos diálogos contassem com um Nelson Rodrigues supervisionando. Que bom seria se ao olharmos no espelho não víssemos apenas nós mesmos. “Vem cá. Deita aqui do meu lado.” Ele deita. Se aconchegam um no outro. “Pensando em quê?”, é sempre ela quem fala. “Na Ucrânia.” “Ucrânia? Por que Ucrânia?” “Por nada. Por tudo. Que horas são na Ucrânia agora?” “Umas três da tarde.” “Quantas pessoas vivem lá?” “Umas cinquenta milhões.” “Qual é a capital deles?” “Kiev.” “E o PIB?” “Não faço a menor idéia. Mas prometo que quando você morrer eu mando te enterrarem lá.” No escuro, aninhado na pele quente dela, ele sorri. * Nesse mesmo instante, no centro de Kiev, na Ucrânia, o sujeito parou no meio da rua e olhou ao redor. Depois continuou andando. Mas agora não via graça em mais nada na vida. http://oadversario.blogspot.com.br 43