LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
Num instante foi dominado por estranhos acontecimentos:
Sob uma lua brilhante,em volta da fogueira numa ampla caverna,
desesperado, entre gritos e urros, ele e seus pares arremessavam paus e pedras
contra aqueles animais famintos, tentando espantá-los para proteger os
membros de sua tribo. Logo em seguida, jogava uns ossos, já descarnados, como
recompensa aos companheiros de caça que haviam propiciado alimentação à
família. E esta atitude, tão comezinha nos dias atuais, pareceu-lhe um verdadeiro
ato de bravura e heroísmo naquela época ancestral.
Ainda sob o impacto de seu primeiro sonho, numa antiga casa, num outro
país, testemunhou o autor da história arrancar com o canivete o olho de Plutão
e, em seguida enforcá-lo numa árvore do quintal, fato que o incentivou
vivamente a retornar o quanto antes à leitura daquela coletânea para conhecer-
lhe o desfecho.
Por fim, na alcova de um lupanar, de uma cidade interiorana, angustiou-se
ao ver um homem esbofetear sua amante, xingando-a de “cadela”, depois que
ela confessou esperar dele um filho – justo ele, um homem infértil.
Foi somente com seu último e suplicante grito de “socorro” que ele
finalmente despertou, e um tanto grogue e confuso, ficou a conjecturar sobre as
possíveis causas daquela tragédia.
Só então, ao se deparar no chão, com a esposa estrangulada por meio da
guia do cãozinho e o filho, quase lúcido, a seu lado perguntando entre lágrimas:
“porque ?” é que percebeu uns olhos esbugalhados, ferozes, ensandecidos, como
os de um monstro,a fitá-los, ameaçadoramente, num canto da sala.
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