LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
Talvez Fosse Apenas um Menino Feliz
Reinaldo Fernandes
Brumadinho/MG
Tentava-se em vão saber o que mais lhe cansava. Não se sabe ao certo,
nunca se soube. Se passar todos os dias pelas mesmas ruas, que já conhecia de
olhos fechados; se o barulho infernal da campainha, tocada centenas de vezes no
mesmo dia; se a falta de educação de certos passageiros; ou se o trânsito
caótico de Belo Horizonte. Quando chegava à comunidade, depois daquelas
longas nove horas com milhares de marchas passadas, seu Juvenal sempre
perguntava:
- E aí, Geraldo, como tá?
- Cansado, Juvenal, cansado!
E seu Juvenal estava sempre ali, curtindo sua aposentadoria de trabalhador
da “Manasmã”, “medindo a rua” - como dizia sua mulher -, esperando Geraldo:
- E aí, Geraldo, como tá?
-Cansado, Juvenal, cansado!
Não falava, mas eu bem sabia o que cansava o motorista da linha Madre
Gertrudes – Sol Nascente. “Ah! Eu ainda pego aquele neguinho!”, peguei um dia
ele prometendo à mulher.
“Aquele neguinho” era Deusdêti, Deusdêti Dústi Biber da Silva, mais
precisamente. E não andava só. Quase sempre estava acompanhado de dois fieis
escudeiros, o Jhuninho e Matheus Gordinho. Parecia ensaiado, e talvez fosse
mesmo:
Jhuninho
agarrava-se
do
lado
direito,
Matheus
Gordinho
ficava
escondido na parte central, equilibrando-se sabe-se Deus como; e Deusdêti ia
grudado no parachoques do lado esquerdo, e essa era sua desgraça pois ficava
bem aos olhos de retrovisor de Geraldo.
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