Revista LiteraLivre 7ª edição | Page 123

LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018 Talvez Fosse Apenas um Menino Feliz Reinaldo Fernandes Brumadinho/MG Tentava-se em vão saber o que mais lhe cansava. Não se sabe ao certo, nunca se soube. Se passar todos os dias pelas mesmas ruas, que já conhecia de olhos fechados; se o barulho infernal da campainha, tocada centenas de vezes no mesmo dia; se a falta de educação de certos passageiros; ou se o trânsito caótico de Belo Horizonte. Quando chegava à comunidade, depois daquelas longas nove horas com milhares de marchas passadas, seu Juvenal sempre perguntava: - E aí, Geraldo, como tá? - Cansado, Juvenal, cansado! E seu Juvenal estava sempre ali, curtindo sua aposentadoria de trabalhador da “Manasmã”, “medindo a rua” - como dizia sua mulher -, esperando Geraldo: - E aí, Geraldo, como tá? -Cansado, Juvenal, cansado! Não falava, mas eu bem sabia o que cansava o motorista da linha Madre Gertrudes – Sol Nascente. “Ah! Eu ainda pego aquele neguinho!”, peguei um dia ele prometendo à mulher. “Aquele neguinho” era Deusdêti, Deusdêti Dústi Biber da Silva, mais precisamente. E não andava só. Quase sempre estava acompanhado de dois fieis escudeiros, o Jhuninho e Matheus Gordinho. Parecia ensaiado, e talvez fosse mesmo: Jhuninho agarrava-se do lado direito, Matheus Gordinho ficava escondido na parte central, equilibrando-se sabe-se Deus como; e Deusdêti ia grudado no parachoques do lado esquerdo, e essa era sua desgraça pois ficava bem aos olhos de retrovisor de Geraldo. 118