LiteraLivre nº 7 – janeiro de 2018
Partidas e Chegadas
Kal Machado
Rio Claro/SP
Mesmo que a distância e o silêncio se tornem mar, há paixões onde não se
consegue conjugar o verbo olvidar.
São sentimentos que antes de se tornarem avassaladores, costumam
chegar de mansinho, dissimulados em sorrisos meigos, olhares que fascinam,
gestos corteses, palavras carregadas de lirismo, em sedutores balanços de ancas
e hipnóticos meneios de cabelos.
Aos poucos, essas emoções ousadas, que não respeitam zonas de conforto,
se instalam e, sem pedir licença ou papel passado, acabam se tornando
donatárias de corações que ainda tem muito amor a dar.
Com o tempo, especialmente, nos momentos em que a saudade se
impõem, cria-se o hábito de mobiliar o vazio afetivo, com a penumbra das doces
lembranças, até se dar conta do quanto é prazeroso ser refém desse aconchego e
êxtase.
Ignorando os conselhos de Simone de Beauvoir, uma mulher verdadeiramente
apaixonada esbanja leveza e espanta a melancolia, quando, ao ver-se
emoldurada por um céu de nuvens púrpuras e, repleto de pássaros pairando
sobre o velame embandeirado que reconhece, capricha na trança, coloca fita, flor
e colar de conchas combinando com o vestido de renda branca que seu capitão
tanto gosta.
Do mesmo modo, o coração de um homem verdadeiramente apaixonado
sabe, pelo brilho de um olhar que lhe é farol, quando, finalmente, encontrou sua
estrela guia e, um regaço acolhedor, com a segurança das docas de águas
profundas, onde poderá recolher velas, deitar âncora e criar raízes.
Assim, para um casal apaixonado, nada pode ser mais inebriante do que,
navegar pelos sete mares e acordar numa manhã que ainda boceja, com seus
corpos nus, emaranhados e exaustos, ouvindo o troar das ondas arrebentando na
praia, nos rochedos e no casco de um veleiro ancorado, enquanto,
preguiçosamente esperam o apito da chaleira, para saborear no convés, um
delicioso café frugal e pão com aroma de baunilha.
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