LiteraLivre nº 2
sentou-se novamente à penteadeira.
Abriu o vidro do esmalte mais lindo que já vira. Não que
particularmente gostasse de amarelo, mas a ideia de ter aquela cor
sobre as unhas, que já estavam crescendo há três semanas, era uma
ideia que não conseguia largar. Cheirou o esmalte, observou-o por
alguns segundos e começou a pintar pelo mindinho da mão esquerda.
Foi passando suavemente o pincel por todos os dedos, até que havia
pintado as duas mãos. Olhou-as meio de longe e soprou uma por uma.
Estava magnífico.
Levantou-se e olhou-se no espelho, que o olhava de volta com um
olhar compenetrante. Da unha dos pés ao último fio de cabelo: “Tony,
você está magnífico”. Agora faltava a última parte para sua noite ficar
completa. Caminhou até a sala e com todo o cuidado do mundo, tateou
pelos discos, sem deixar estragar as unhas. Pegou o escolhido com a
ponta dos dedos e meio roboticamente colocou-o na vitrola. Aquilo era
uma pepita de ouro: a trilha sonora de The Rocky Horror Picture Show.
Colocou a agulha no disco, aumentou o volume e voltou para o quarto,
mas dessa vez, desfilando. Olhou-se novamente no espelho, enquanto
tocava “Sweet Transvestite”. Abriu as mãos pintadas e colocou-as
próximas ao seu rosto maquiado, com o amarelo vibrante de frente
refletindo e dando cor a todo o seu visual preto. Tony era uma mulher de
dar inveja a qualquer Tim Curry. Terminou a garrafa de vinho e
comemorou ali seu aniversário, de frente para si mesmo. O disco
continuou a tocar a noite toda.
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