Revista LiteraLivre 2ª Edição | Page 53

LiteraLivre n º 2
torneiras da banheira e jogou seus sais de lavanda e camomila. Arrumou a penteadeira, que era da mãe, com o kit de maquiagem, o secador de cabelo, as escovas, os grampos, o laquê que se lembrara de pegar apressadamente na loja,“ ainda bem, pois se eu o tivesse esquecido, teria acabado com meus planos”, tudo milimetricamente ajeitado. Bem no meio, seu esmalte amarelo estava pronto para ser passado. Em cima da cama a roupa escolhida e logo abaixo o sapato.
Durante o banho, Tony pensava em como seria feliz se pudesse fazer seu ritual todas as noites.“ Não sei o que meus pais fariam se eu o fizesse. Mas hoje já sou dono da minha vida, então, por que não pensar em fazer isso mais vezes?”. Sabia que eram raros os momentos como esse, nos quais se sentia tão realizado. Por fim, quando a pele já estava totalmente enrugada, os cabelos lavados e as cutículas moles, levantouse e saiu da banheira, deixando pingar água no tapete.
Secou-se, colocou um roupão velho, mas confortável, listrado de branco e verde, e sentou-se em frente à penteadeira. Ali, um grande espelho emoldurado o olhava. Abriu a garrafa de vinho tinto, um Cabernet Sauvingon bem frutado, e começou a arrumar os cabelos, ou o que lhes restava. Penteou-os, passou alguns cremes e começou a darlhe volume. Com o secador e escovas, levantou-os de um jeito que parecia pouco provável. Sabia que a moda dos cabelos dos anos 80 era horrível, mas era exatamente por isso que gostava. Completou o penteado com uma peruca tão negra quanto seus próprios cabelos.
Virou uma taça de vinho e demorou-se no espelho por alguns minutos, fitando sua silhueta por vários ângulos. Achou que dessa vez havia se superado.“ Eu me superei”, disse de si para si, ou talvez tinha sido o espelho quem disse isso. Pensou que seria melhor maneirar na bebida. Fechou os olhos e esparramou bastante laquê por todos os lados. Adorava aquele cheiro, de tia-avó e festa de família.
Abriu o estojo de maquiagens, cheio de pincéis diferentes e começou a se pintar. Passou a cola sobre a sobrancelha, aplicou a base e começou a se transformar em si mesmo. O batom escolhido foi um roxo bem escuro, pois ficaria bom em contraste com as unhas amarelas. Após finalizar com o curvex, levantou-se da cadeira e buscou o talco. Jogou um pouco dentro da meia calça preta e começou a vesti-la, cuidadosamente para não furar. Subiu-a até acima dos joelhos. Vestiu seu espartilho e delicadamente prendeu-o às meias. Calçou as sandálias, novinhas, cheirando a recém compradas. Abotoou no pescoço o colar de pérolas que também fora de sua mãe. Tomou mais uma taça de vinho e
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