LiteraLivre nº 2
– Tu já me envelheceu demais – sentenciou ela.
Bento ficou ainda mais silencioso depois da separação. Andava
deprimida com as atitudes do filho, com a distância entre eles, com um
mundo que não conseguia entrar, quem sabe se comprasse uma
espaçonave, matutou.
– Tu é defensora dos adultos − dizia o filho no fatalismo da idade,
e encerrava com um “legal”, para não ouvir o blá blá blá dela.
Perguntava-se onde foi parar o guri meigo e carinhoso que estava
ali agorinha mesmo. Só deu uma saidinha pra trabalhar um pouco,
limpar a casa um pouco, pagar umas continhas e quando voltou, o
menino era outro menino. Apegou-se na sua força interior, que por vezes
era fraca, para suportar a melancolia baixada de supetão. De supetão
também baixou a entidade do preto velho do Pai João, a quem pedia
socorro sempre que não conseguia aguentar o peso dos encostos se
aprochegando sem cerimônia.
O mormaço de dezembro cadenciava a vidinha pachorrenta nos
costados de Charqueadas; caiu uns pingos de chuva só pra molhar os
bobos. Num calor desses, até a morte era lenta. Disseram que o homi da
padaria levou três dias pra morrer de infarto fulminante.
Na casa verde bucólico de grama alta e muros baixos, as coisas
seguiam silenciosas. Bento chegou da escola e jogou-se no sofá com o
Nike embarrado. O linguicinha pulou no seu colo, recebeu merecidos
afagos, e saiu correndo quando ela deu esporros por causa do sofá sujo.
– Mãe, vou te dizer um troço.
– O que é? − retrucou já prevendo conversas enjoadas pela
metade.
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