Revista LiteraLivre 2ª Edição | Page 62

LiteraLivre nº 2 – Tu já me envelheceu demais – sentenciou ela. Bento ficou ainda mais silencioso depois da separação. Andava deprimida com as atitudes do filho, com a distância entre eles, com um mundo que não conseguia entrar, quem sabe se comprasse uma espaçonave, matutou. – Tu é defensora dos adultos − dizia o filho no fatalismo da idade, e encerrava com um “legal”, para não ouvir o blá blá blá dela. Perguntava-se onde foi parar o guri meigo e carinhoso que estava ali agorinha mesmo. Só deu uma saidinha pra trabalhar um pouco, limpar a casa um pouco, pagar umas continhas e quando voltou, o menino era outro menino. Apegou-se na sua força interior, que por vezes era fraca, para suportar a melancolia baixada de supetão. De supetão também baixou a entidade do preto velho do Pai João, a quem pedia socorro sempre que não conseguia aguentar o peso dos encostos se aprochegando sem cerimônia. O mormaço de dezembro cadenciava a vidinha pachorrenta nos costados de Charqueadas; caiu uns pingos de chuva só pra molhar os bobos. Num calor desses, até a morte era lenta. Disseram que o homi da padaria levou três dias pra morrer de infarto fulminante. Na casa verde bucólico de grama alta e muros baixos, as coisas seguiam silenciosas. Bento chegou da escola e jogou-se no sofá com o Nike embarrado. O linguicinha pulou no seu colo, recebeu merecidos afagos, e saiu correndo quando ela deu esporros por causa do sofá sujo. – Mãe, vou te dizer um troço. – O que é? − retrucou já prevendo conversas enjoadas pela metade. 56