LiteraLivre nº 1
zeloso, e me acomodou da melhor e mais segura forma possível na garupa de sua moto.
Eu me sentia inadequada e apreensiva enquanto a moto traçava um caminho que nunca
antes percorri, mas pouco depois parou. Chegamos. A casa dele. O mundo dele. Eu entrei
ali para ficar. E nascia ali aquela rotina confortável: refeições compartilhadas na noite (o
peixe que ele me preparava era meu preferido), minha diária e agitada espera pelo seu
retorno do trabalho, quando muitas vezes ele me trazia um mimo (mimos que quase me
divertiam quando das horas solitárias no apartamento pequeno)... Logo na primeira
semana, ele ornou meu pescoço com um lindo colar; eu não era especialista em joias,
mas aquela gargantilha com meu nome gravado me parecia linda, cara de afeto e deixava
explícita que a ele eu pertencia. E declaro, sem pudor, que adorava esse sentimento
inédito de pertencimento a alguém, e essa certeza continha em si um bálsamo para todas
as privações que eu deixara para trás. Já estamos juntos há alguns anos e ainda não me
cansei de me aconchegar toda noite em sua cama e calor, confortando-me no seu cheiro
almiscarado, enquanto aguardo um afago antes que ele durma, sereno. Acordo
cotidianamente antes dele, e vigio seu despertar, quando então ele me dirigirá aquele
afetuoso bom dia, e eu, sempre dissilábica, retrucarei: “miau”…
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