LiteraLivre nº 1
Fabulosa Paixão
Luciane Couto - Contagem/MG
Assim que desceu da moto e começou a caminhar pela praça, eu sabia que seria ele. A
tarde era fria, e eu esperava entediada sob um rasgo de sol que me alcançava. Àquela
hora, grande parte dos amigos que iniciaram o dia na praça comigo já tinham ido embora,
acompanhados; alguns felizes, outros apenas resignados. Não era a primeira vez que eu
ali estava e já estava perdendo as esperanças de que seria a última, até avistar o homem
de testa franzida, pronunciada sob as frestas da franja comprida do negro cabelo que
quase escondia seu olhar gentil. A barba por fazer revelava um homem pouco vaidoso, no
entanto certo de sua beleza máscula, mesmo que os lábios finos remetessem a um quê
pueril. As pernas longas, ornadas pelo jeans surrado, o traziam em firmes passadas em
minha direção, e daí não relutei em ser clichê: alinhei minha espinha, deixei minhas
ancas se pronunciarem num ângulo favorável, conferi discretamente se ainda tinha em
mim o aroma cítrico do sabonete do último banho tomado (a contragosto, confesso) e
busquei estampar meu olhar de Capitu. E permaneci em espera, repetindo mentalmente
meu gasto mantra: “que ele não prefira as clarinhas que aqui estão, que ele não prefira as
clarinhas...” (sim, eu não sou portadora de uma autoestima elevada, resultado da
constatação diária do olhar do outro sobre mim, onde eu lia que minha negritude não
remetia à fortuna. E pelo fato de viver há tempos num lar provisório, cedido a mim e a
alguns outros como um favor, desde que deixei a proteção das asas de minha mãe -
talvez asas não retratem bem o que eu tinha junto a minha mãe, mas ainda assim a
lembrança materna era algo que me remetia à sensação de aconchego, agora tão
distante e nebulosa. Além disso, eu também tinha plena consciência que a ampulheta do
tempo já levava minhas formas Lolita, o que dificultaria ainda mais o encontro com
alguém para eu chamar de meu). Na praça, eu continuava naquela fatigante espera,
agora sustentada pela falsa autoconfiança onde me empertiguei, enquanto ele andava e
observava todas as outras que
também e ainda aguardavam na tarde outonal. De
repente, ele parou à minha frente e me encarou, ensaiando um sorriso. Então eu
vislumbrei que ele também ali soube, naquele segundo crucial onde nossos olhares se
cruzaram, que seria eu. Depois de alguns protocolos cumpridos, me conduziu, decidido e
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