LiteraLivre n º 1
Conto
Tirado de um Poema
Tiago Feijó Guaratinguetá / SP
“ João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da [ Babilônia num barracão sem número ”
Poema tirado de uma notícia de jornal , Manuel Bandeira .
João Gostoso desce as vielas íngremes e irregulares do morro da Babilônia . À sua frente , sob o anoitecendo do céu , pululam as luzes de Copacabana ; luzes estas que João não vê , ou vê mas não repara , posto que em seus olhos fixa-se agora a lembrança de outras luzes . As luzes de Ritinha , sorrisonha , metida numa abundância de plumas e brilhos , a devassar o desejo dos homens no furdúncio do carnaval . Carregador de feiralivre , o árduo trabalho dos braços esculpiu no corpo negro de João muitas saliências de músculos e fez brotar nele a força desumana da ressaca das marés . Mas esse corpo , bruto tronco robusto de ébano , é casca falsa que envolve um homem pacífico , erguido em bondades , de mãos de trabalho e carícia . João Gostoso desce o morro , indistinto nos recantos de escuridão , levando na caixa do pensamento a mulata Ritinha , cravo cravado na carne de seu amor , ferida funda que não sabe cicatrizar , envolta nas brumas de um antigo carnaval . Em pouco , João pisa na Avenida Atlântica e se dá conta do mar , um mar de desilusão , e o rumor das vagas enche de mágoas o corpo colosso de João . Mas ele continua a caminhar , visto que tem destino certo de chegada e que o mar , posto assim nos olhos , é como um novo jeito de se afogar . E por agora João quer viver , viver e sofrer as dores inventadas para ele , que todo homem tem lá o seu quinhão e carregá-lo é questão de honra .
Copacabana é uma festa , riqueza sem fim . Gente vestida de claridade , rindo aos trambolhos , saltando de carros lustrosos e exalando perfumes de línguas estrangeiras . João pensa na alegria dessa gente , nas suas soltas gargalhadas , habitantes de altos edifícios , com o extenso mar emoldurado nas vidraças de suas janelas . Tão diferente dele , essa gente . Eles que não suspeitam da sua fome incurável , do seu perfume de feira , de fruta , da sua roupa puída , do seu barracão sem endereço perdido na barafunda da
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