LiteraLivre Vl. 4 - nº 19 – Jan./Fev. de 2020
Fernando Antônio Fonseca
Belo Horizonte/MG
Cão Falante
A casa estava abandonada há muito tempo. Os transeuntes nem se davam
conta de que ela existia, e passavam pela rua sem sequer notá-la. Seu último
morador havia falecido, e parece que não deixou herdeiros. Assim, ela se tornou
abrigo de excluídos e de amantes sem escrúpulos, embora se localizasse em uma
região nobre da cidade, bastante valorizada.
Era uma edificação antiga de traços coloniais, semi-destruida, e era alvo de
construtoras que cogitavam erguer no local um prédio de apartamentos. Porém,
havia outro projeto que pretendia construir no local uma praça comunitária,
dotada de equipamentos para ginástica e jardins floridos, com o aval da
prefeitura. Mas o que dificultava a concretização de uma das duas opções era
localizar os parentes distantes do ex-proprietário, para alavancar as negociações
e concretizar o projeto vencedor.
Assim, foi rastreada a parentela do antigo morador, e descobriu-se, após
uma investigação, que ele deixou um testamento no qual destinava todos seus
bens para um cachorro pastor-alemão, de nome “Arquimedes”, que fora seu cão-
guia nos últimos anos de sua solitária vida, pois sua visão havia se deteriorada
com o glaucoma. O cão, por sua vez, ainda vivia, e habitava as ruínas da casa,
fazendo companhia aos seus moradores ilegais, que o alimentavam com sobras
de comida e por ele tinham apreço.
Sabendo disso, as autoridades judiciárias pretendiam alienar o imóvel e
destinar toda a renda obtida na construção e manutenção de um canil que
abrigasse os cães-de-rua da região e adjacências, além de construir no canil uma
moradia especial para “Arquimedes”. E assim ficou decidido.
Porém, ao se dirigirem à casa para resgatar o animal, descobriram que ele
não era um cão normal: era um cão falante, que havia aprendido a falar com seu
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