LiteraLivre Vl. 4 - nº 19 – Jan./Fev. de 2020
me encontro neste museu, com o escaravelho apertado em minhas mãos. Agora
você paga um ingresso e me vê petrificado neste museu, com um besouro de
pedra sobre o coração.
Outra palavra eu poderia usar agora, para escapar do pesadelo milenário. A
palavra que eu não posso pronunciar, mas é escrita com a figura de uma planta
maravilhosa, erva milagrosa, rara e quase desconhecida, com mil propriedades
medicinais. Por favor, devolva-me um corpo humano, capaz de viver, sofrer,
consumar-se. Coloque a planta efêmera em lugar do inseto divino e eterno.
Dê-me mais um dia de vida!"
Estes eram os pensamentos da múmia de Kheper, o mestre de obra das
pirâmides, mas nem seus lábios, nem seus olhos podiam mexer. Ele vivia em um
pesadelo eterno, uma espécie de universo paralelo, um limbo desde o qual tudo
podia observar, mas não lhe era permitido ingerir-se com os negócios dos
homens mortais. Uma criança, um aluno do terceiro ano, foi ao museu com sua
classe. Era curioso, como todos os meninos de sua idade. Vinha de uma escola
rural. Uma folha de grama, entre os dentes, tinha-lhe feito companhia durante
toda a viagem. Um pacote de batatas fritas (introduzido ilegalmente no Museu)
afirmou seu direito a entrar nas fauces da criança, e foi assim que a lâmina de
grama terminou distraidamente nas mãos da múmia. A folha de grama trabalhou
a noite toda. Raios misteriosos, em cima do telhado do museu, levantaram-se
formando uma cúpula de mil cores. Uma sobrecarga no sistema elétrico causou
um incêndio no Museu. A seção egípcia foi severamente danificada, três múmias
destruídas. Entre as ruínas carbonizadas e fumegantes, os bombeiros
encontraram um escaravelho de pedra azulada. Então uma manada de dois ou
três mil come-pedras apareceu do nada, como um exército, começando a devorar
as paredes do Museu. Alguém poderia jurar que havia também muitos besouros
de cor de turquesa. Os bichos formaram uma pirâmide. Na terceira manhã, após
o grande incêndio, o sol resplandeceu nascendo, frente à face leste, branca,
sólida e lisa.
Ninguém jamais poderia saber com certeza, mas estamos convencidos de
que, sob essa pirâmide escondida no segredo da câmara de sepultamento, são
emparedados os restos imortais de Kheper, o mestre de obra do faraó.
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