Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 62

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 prédio não era diferente dos arredores em que se instalava. Aquele subúrbio ermo, onde vivalma parecia não existir, era coalhado de sobrados, casas, comércios e demais edifícios em semelhante situação. Onde deveria haver vida e prosperidade outrora, agora apenas o silêncio, a ruína e o desamparo reinavam. Mas o serviço era bem pago. Então, mesmo acreditando que vigiar aquele lugar era desnecessário, ele havia aceitado o trabalho sem pestanejar. Os donos do quarteirão em que ficava o pequeno prédio o contrataram para início imediato, o informando que o vigilante anterior, infelizmente, havia deixado o serviço por questões de saúde, e eles não poderiam deixar o prédio a descoberto por muito tempo. Ele não questionou o porquê disso e prontamente aceitou a vaga de vigilante noturno. Uma única ressalva os patrões fizeram a ele: Deveria deixar seu posto antes da meia-noite. Um outro vigia atenderia o próximo turno, mas deveria chegar apenas após a uma hora da madrugada, portanto não seria necessário espera-lo. Em seu primeiro dia, chegou ao lugar carregando apenas uma mochila. Nenhuma linha de ônibus do centro onde morava iria deixá-lo no bairro esquecido. Apenas uma linha o levava para os lugares mais afastados da cidade e uma caminhada de quase hora para ele finalmente chegar ao seu local de serviço. Apenas um quarto do apartamento estava em condições habitáveis. Reformado, o quarto deveria também ter sido o posto de trabalho do vigia anterior. Com as paredes pintadas, uma pequena cozinha equipada e o banheiro limpo e funcional. Além de um conjunto de telas, que ele rapidamente descobriu como operar, ligadas às câmeras de vigilância por todo o quarteirão. Ficaria ali, então, apenas monitorando os televisores. Nas primeiras noites, a desconfiança de sua utilidade ali se confirmava. Nada acontecia naquela zona lúgubre. Apenas as horas passando morosamente. Nem um animal na rua era captado pelos monitores. O bairro havia sido completamente deixado. Não havia ninguém para invadir ou reclamar aqueles prédios. Os seus próprios patrões pareciam desinteressados. Não entraram em contato com ele durante todas essas noites, solicitando reportes ou apenas para saber se ele estaria comparecendo ao seu posto. Também não havia se encontrado com o vigia diurno, já que havia um hiato entre seu horário de saída e a entrada dele. Entediado, ele tentava descobrir, todos os dias, alguma maneira de passar as vagarosas horas. Trazia palavras-cruzadas de casa, seu passatempo predileto, as preenchendo com atenção enquanto levantava a cabeça raramente para olhar as telas filmando o nada acontecendo. [59]