Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 42

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Grosso? O olhar aparenta ser de poucos amigos. pesado e sério. Carrega uma bebida que não consigo reconhecer, mas tem cheiro de álcool puro. Parece ter vindo à festa sozinho, como eu; e, sinceramente, não sei o que isso deveria significar. — O que você quer, então? Talvez tenha sido eu o grosso. Não me importo, acho. Por que me importaria, aliás? Jamais verei aquele rosto uma outra vez, nem ele verá o meu. Nesse sentido, me importar com meus "modos" em um diálogo de menos de cinco segundos parece completamente inútil. Porque, óbvio, não partirei do princípio de que aquele poderia vir a ser "o melhor amigo que eu teria em toda minha vida". São muitos "ias" numa frase só para que ela possa ser verdadeira. Olho de relance para o homem, que àquela altura já tinha se afastado totalmente. Ele não parece ser uma má pessoa, de fato. Abaixo a cabeça para observar o meu copo. Cheio ainda. Num gole só, bebo metade da dose. É mais difícil julgar alguém pela aparência quando se está embriagado. Eu me escoro num balcão que estava ali, perto de mim. Apoio a vodka para procurar o maço no meu bolso. Apanho-o e acendo um cigarro, o gosto forte invadindo a minha boca quase que imediatamente. Olho ao meu redor novamente: nenhum sinal da menina que encontraria ali. Gosto disso — não estava com vontade de vê-la. Se bem que, pelo jeito, eu não estava com vontade de nada. Viro o resto da bebida e termino de fumar meu cigarro. Pergunto-me, talvez pela décima vez desde que saí de casa, o que eu estava fazendo ali; pergunto-me: “por que não voltar e dormir?”. Respondo automaticamente que não queria sair dali. Um novo questionamento me cruza a mente. O motivo de eu não querer sair; afinal, não quero, de qualquer jeito, ficar. Desse jeito, não consigo chegar a nenhuma conclusão que não seja a de que eu não tenho lógica. Algo que não deveria ter, mesmo. Atrás de mim eu ainda consigo escutar a voz do homem que veio falar comigo. Guardo a carteira — estava segurando-a, ansioso, prestes a acender outro cigarro — e vou até ele. Quero dizer, se pretendo continuar aqui, é melhor que eu arranje uma distração. Distrações evitam pensamentos, e evitar pensamentos evita que eu enlouqueça. Deveria evitar, pelo menos. — Eu não queria ser rude — digo, com a cabeça baixa, evitando contato visual. [39]