Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 41

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Estou saindo e não aviso a ela. Só pego uma carteira escondida debaixo do meu travesseiro e sumo (meus pais já devem ter se acostumado com meu quarto vazio no meio da noite). Tenho fumado mais nos últimos dias — um modo de me esconder da minha falta de motivação. Antes, tragava um maço por dia, mas agora chego a dois. Claro que, somado ao cigarro, há o álcool. Não me orgulho disso também, mas não posso evitar admitir que para mim uma vodka barata é uma perfeita distração. Depois de meio litro numa festa, posso voltar pra casa com a cabeça voando, sem falar com ninguém, minha mente em seu próprio parque de diversão. Espero que hoje seja um desses dias em que eu possa encher a cara sem se preocupara em me afogar no próprio vômito amanhã. Enquanto ando só, à luz da lua, são esses pensamentos que cruzam meu caminho: nada romântico em que me preparo para “a maior noite de todas” quando posso conhecer “o amor da minha vida”. De fato, não acredito que coisas como “o amor da minha vida” realmente existam e estejam por aí esperando que eu esbarre nelas. Isso certamente torna a busca do “significado da vida” mais difícil. Aliás, me parece contraditório crer no “significado da vida” mas não no “amor verdadeiro”. Às vezes as duas ideias andam juntas: em filmes água com açúcar, aparentemente, é impossível separá- las. De qualquer jeito, acho que não faço sentido. Ninguém me obrigou. O ponto da minha vida, o motivo que me faz levantar da cama de manhã, também não precisa fazer. Uma razão desordenada para uma vida desordenada. — Uma dose de vodka. Não perguntam quantos anos eu tenho, ou a marca de vodka que eu quero. Meu rosto já deve dizer automaticamente: “não tenho idade suficiente para beber, mas me dê uma dose da bebida mais barata que tiver, por Deus”. Quando olho à minha volta, percebo que o público da boate é basicamente do mesmo jeito. Só adolescentes desesperados por atenção, bebida, sexo, ou o que vier primeiro. Um deles, um cara que deve ser dois ou três anos mais velhos que eu, me vê e se aproxima. — Olha, eu não sou... — começo assim que ele chega, mas ele me interrompe. — Tudo bem, não ligo. [38]