LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Grosso? O olhar aparenta ser de poucos amigos. pesado e sério. Carrega uma
bebida que não consigo reconhecer, mas tem cheiro de álcool puro. Parece ter
vindo à festa sozinho, como eu; e, sinceramente, não sei o que isso deveria
significar.
— O que você quer, então?
Talvez tenha sido eu o grosso. Não me importo, acho. Por que me importaria,
aliás? Jamais verei aquele rosto uma outra vez, nem ele verá o meu. Nesse
sentido, me importar com meus "modos" em um diálogo de menos de cinco
segundos parece completamente inútil. Porque, óbvio, não partirei do princípio de
que aquele poderia vir a ser "o melhor amigo que eu teria em toda minha vida".
São muitos "ias" numa frase só para que ela possa ser verdadeira.
Olho de relance para o homem, que àquela altura já tinha se afastado
totalmente. Ele não parece ser uma má pessoa, de fato. Abaixo a cabeça para
observar o meu copo. Cheio ainda. Num gole só, bebo metade da dose. É mais
difícil julgar alguém pela aparência quando se está embriagado.
Eu me escoro num balcão que estava ali, perto de mim. Apoio a vodka para
procurar o maço no meu bolso. Apanho-o e acendo um cigarro, o gosto forte
invadindo a minha boca quase que imediatamente. Olho ao meu redor
novamente: nenhum sinal da menina que encontraria ali. Gosto disso — não
estava com vontade de vê-la. Se bem que, pelo jeito, eu não estava com vontade
de nada.
Viro o resto da bebida e termino de fumar meu cigarro. Pergunto-me, talvez pela
décima vez desde que saí de casa, o que eu estava fazendo ali; pergunto-me:
“por que não voltar e dormir?”. Respondo automaticamente que não queria sair
dali. Um novo questionamento me cruza a mente. O motivo de eu não querer
sair; afinal, não quero, de qualquer jeito, ficar. Desse jeito, não consigo chegar a
nenhuma conclusão que não seja a de que eu não tenho lógica.
Algo que não deveria ter, mesmo.
Atrás de mim eu ainda consigo escutar a voz do homem que veio falar comigo.
Guardo a carteira — estava segurando-a, ansioso, prestes a acender outro
cigarro — e vou até ele. Quero dizer, se pretendo continuar aqui, é melhor que eu
arranje uma distração.
Distrações evitam pensamentos, e evitar pensamentos evita que eu enlouqueça.
Deveria evitar, pelo menos.
— Eu não queria ser rude — digo, com a cabeça baixa, evitando contato visual.
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