Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 24

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Alice Luna Belo Horizonte/MG Transação de artista Eu decidi vender minha alma. Um amigo meu, anarcocapitalista, disse que não havia necessidade de vender a minha alma pelo que estava procurando. Bastava vender a de outra pessoa. Discordo plenamente dele, apesar de respeitar sua opinião. Acho que vender a própria alma reforça a sensação de sacrifício. “Quero tanto algo que abriria mão da minha própria alma”. E, afinal, não é como se não fôssemos, ao fim de nossas vidas, cair em um abismo infernal de dor e sofrimento. Exercemos bem o ofício de pecadores. Vocês devem estar se perguntando o que me levou a tomar tal decisão. Eu, como grande parte dos bons romancistas, sofro de insônia. Já estou bastante conformado (para não dizer satisfeito) com isso, aproveitando essas satisfatorias horas extras a trabalhar no meu novo livro, Minha Bela Ofélia. Essa historia me provoca emoções tão fortes que prefiro escrevê-la à meia luz, proporcionando a atmosfera característica. Infelizmente, não tenho um bom abajur; e é aí que meu drama começa. Durante uma das minhas caminhadas matinais, me deparei com uma abajur em uma loja de antiguidades. Não era um abajur qualquer. Era o que eu estava procurando desde o tímido florescer do meu romance. Tinha a cúpula formada por várias rosas de vidro colorido, a haste de metal dourado com folhas esculpidas e acendia por uma graciosa cordinha da mesma cor da haste. Eu podia enxergar a púbere Ofélia a dançar através das luzes bruxuleantes do abajur. Decidi comprá-lo, e qual foi meu espanto ao perceber que ele já estava reservado a outra pessoa! Perguntei seu preço, para ver se podia oferecer algo a mais. Não podia. Andei pela cidade inteira a procurar um igual, consultei sites do mundo inteiro e cheguei até a encontrar o endereço do dono do abajur, a quem me prostrei de joelhos, com lágrimas nos olhos e cheques no bolso. Nada adiantou. Aquele era um exemplar único no mundo todo e eu não o tinha. Portanto, sim, venderei minha alma por aquele abajur. Não é como se ela valesse muito mais do que isso. http://lunadomundo.blogspot.com/ [21]