LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Elas nunca souberam o que foi feito do dinheiro do pai. Foram deixadas ali,
sem eira nem beira. Sozinhas. Através de ajuda de um e de outro, Angelita
conseguiu uma sala para dar aulas, espaço cedido pela prefeitura. Ganhava uns
trocados. Carminda bordava enxovais. O serviço era de tamanha perfeição que
em pouco tempo conseguiu encomendas até mesmo das grandes cidades. Um
primor.
Ainda procurando adaptação, receberam a notícia de que precisariam
desocupar a edícula da casa do tio, onde viviam. Os novos proprietários iriam
utilizar aquela área. E então foram acolhidas por uma prostituta. Passaram a
viver em dois cômodos locados a preço simbólico e as duas continuaram
trabalhando.
Angelita conheceu Samir. Apaixonaram-se. Depois de vários meses, ficaram
noivos. Havia muitos planos para um futuro próximo, preparavam o casamento.
Então, apareceu na cidade um engenheiro mecânico alemão, homem bonito, loiro
e de misteriosos olhos azuis. Chegara para programar o serviço de abastecimento
de água na cidade, expandir a área de distribuição. Assim que botou os olhos
nele, Angelita perdeu a paz. Foi um amor tão arrebatador que não havia como
controlar. De ambos os lados.
O noivado com Samir acabou. O forasteiro era casado, morava na Capital.
Não escondeu, não mentiu. Angelita sabia que havia outra família, mas não se
importava. Não demorou nada, engravidou. Para os moradores, foi um flagelo.
Os alunos, aos poucos, foram se afastando até que a prefeitura não mais
permitiu o uso da sala. Passou, então, a ajudar a irmã nos bordados.
Com a gravidez, o engenheiro abandonou a outra família, o casamento
acabou. Quando a criança nasceu, Angelita estava muito debilitada. Quase não
conseguia amamentar a filha. Era visível o esmorecimento do corpo, a prostração
que acometia a mãe. Começaram as febres noturnas, o suor abundante, a
inapetência, a tosse. A tuberculose foi diagnosticada. As poucas pessoas da
cidade que falavam com ela, afastaram-se. Até mesmo o pai da criança deixou de
visitá-la. E partiu...
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