Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 177

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Elas nunca souberam o que foi feito do dinheiro do pai. Foram deixadas ali, sem eira nem beira. Sozinhas. Através de ajuda de um e de outro, Angelita conseguiu uma sala para dar aulas, espaço cedido pela prefeitura. Ganhava uns trocados. Carminda bordava enxovais. O serviço era de tamanha perfeição que em pouco tempo conseguiu encomendas até mesmo das grandes cidades. Um primor. Ainda procurando adaptação, receberam a notícia de que precisariam desocupar a edícula da casa do tio, onde viviam. Os novos proprietários iriam utilizar aquela área. E então foram acolhidas por uma prostituta. Passaram a viver em dois cômodos locados a preço simbólico e as duas continuaram trabalhando. Angelita conheceu Samir. Apaixonaram-se. Depois de vários meses, ficaram noivos. Havia muitos planos para um futuro próximo, preparavam o casamento. Então, apareceu na cidade um engenheiro mecânico alemão, homem bonito, loiro e de misteriosos olhos azuis. Chegara para programar o serviço de abastecimento de água na cidade, expandir a área de distribuição. Assim que botou os olhos nele, Angelita perdeu a paz. Foi um amor tão arrebatador que não havia como controlar. De ambos os lados. O noivado com Samir acabou. O forasteiro era casado, morava na Capital. Não escondeu, não mentiu. Angelita sabia que havia outra família, mas não se importava. Não demorou nada, engravidou. Para os moradores, foi um flagelo. Os alunos, aos poucos, foram se afastando até que a prefeitura não mais permitiu o uso da sala. Passou, então, a ajudar a irmã nos bordados. Com a gravidez, o engenheiro abandonou a outra família, o casamento acabou. Quando a criança nasceu, Angelita estava muito debilitada. Quase não conseguia amamentar a filha. Era visível o esmorecimento do corpo, a prostração que acometia a mãe. Começaram as febres noturnas, o suor abundante, a inapetência, a tosse. A tuberculose foi diagnosticada. As poucas pessoas da cidade que falavam com ela, afastaram-se. Até mesmo o pai da criança deixou de visitá-la. E partiu... [174]