Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 153

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Estou maravilhada. A mãe gambá está escondida por aí, enquanto não aparece, é preciso alimentar os filhotinhos. — Agora vou dar bananinha amassada, ela diz. Desligo. Vejo o jornal aberto sobre a mesa, a tv desligada, o celular que me acena oferecendo o caos. Mas que me faz lembrar também a amiga que todo dia posta notícia sobre aquele velho companheiro que ela vai visitar diariamente no hospital. Internado há quase um mês, praticamente inconsciente, ela e todos os amigos fazem eco: – Acorde! A vida está pesada, a pátria está em chamas, os olhos ardem, mas vai ser pior sem você! Me estendo no sofá. Não ligo a tv, não folheio o jornal, não pego o celular. Sorrio. Estou sozinha, sorrio, e penso: ela não morreu, não, a esperança. Enquanto houver alguém que alimenta gambazinhos perdidos, enquanto houver amigos que acreditam no despertar do coma, eu acho que dá para enfrentar o caos. É quase dia da pátria. Meus olhos ainda estão ardendo. Me levanto e atravesso a rua. Chamo a vizinha. — Quero ver os gambazinhos! [150]