LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
De onde estamos até onde a água descomeça as areias, um capim verde se
levanta e engole tudo. Mas com tanta perfeição ele esconde os caminhos, que
não podemos enxergar a menor possibilidade de seguir até a beira da lagoa.
Somente o vento se determina a seguir um percurso. Ele passa por sobre o
capim e alcança as águas, lhes soprando com força e lentidão. Somente o vento
pode unir estas coisas. E de um jeito que as águas não se assustam com seu
toque, mas se balançam devagarinho.
É por causa do capim verde, que me parece muito macio, que não sei como
aquele homem entrou nas águas nem para quê. Às vezes as coisas que
acontecem deste lado do mundo são muito misteriosas. E não dá para saber a
menos que os Encantados decidam explicar.
Decidi esperar até que a moça falasse, pois quando lhe disse que a lagoa é
maravilhosa, ela apenas suspirou, como quando alguém está apaixonado. Então
retornei ao silêncio e à contemplação.
Enquanto isso, o homem se aproximava do centro da lagoa sem nunca
afundar. Notei que ele não fazia esforço em seu movimento, apenas vencia
suavemente as distâncias. Não nadava, simplesmente caminhava pelo fundo da
lagoa. Em seu ombro ele levava uma tarrafa, que parecia ser pesada. Entretanto
isso não interferia em sua mansidão. Sua cabeça era protegida por um chapéu de
palha que lhe sombreava a face. Mesmo que seu peito e sua tarrafa estivessem
expostos pela luz, seu rosto permanecia preservado. Não tive como reconhecê-lo.
Senti uma brisa macia beijar-me a face. E uma aproximação. A moça que
estava ao meu lado também pareceu senti-las. Então ela encheu o peito e
preparou os lábios para falar:
– Sempre gostei desta lagoa. Ela é como um paraíso onde todas as coisas da
noite se reúnem. Trouxe-te aqui para vê-lo com seus próprios olhos.
– Quem? – Perguntei, achando que se tratava das coisas da noite. Porém
senti que não deveria lhe interromper. A moça não mudou suas feições macias e
continuou:
– Não. As coisas da noite sempre estarão em você por causa da sua alma.
Mas estou falando dele – e apontou para o homem que tinha chegado ao ponto
central da lagoa e jogou a tarrafa na água – daquele que caminha dentro d’água.
Ele não fala nunca, mas pesca todas as palavras ao lançar sua rede na lagoa. E
ele conhece todos os destinos, porque eles vacilam em sua tarrafa junto com as
palavras que coleta nas águas. Parece que você está lá junto comigo. Não são
apenas as nossas visões que se transportam para sua tarrafa ao olharmos, mas
antes os nossos caminhos escritos na luz que se deita na lagoa.
[140]