Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 143

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 De onde estamos até onde a água descomeça as areias, um capim verde se levanta e engole tudo. Mas com tanta perfeição ele esconde os caminhos, que não podemos enxergar a menor possibilidade de seguir até a beira da lagoa. Somente o vento se determina a seguir um percurso. Ele passa por sobre o capim e alcança as águas, lhes soprando com força e lentidão. Somente o vento pode unir estas coisas. E de um jeito que as águas não se assustam com seu toque, mas se balançam devagarinho. É por causa do capim verde, que me parece muito macio, que não sei como aquele homem entrou nas águas nem para quê. Às vezes as coisas que acontecem deste lado do mundo são muito misteriosas. E não dá para saber a menos que os Encantados decidam explicar. Decidi esperar até que a moça falasse, pois quando lhe disse que a lagoa é maravilhosa, ela apenas suspirou, como quando alguém está apaixonado. Então retornei ao silêncio e à contemplação. Enquanto isso, o homem se aproximava do centro da lagoa sem nunca afundar. Notei que ele não fazia esforço em seu movimento, apenas vencia suavemente as distâncias. Não nadava, simplesmente caminhava pelo fundo da lagoa. Em seu ombro ele levava uma tarrafa, que parecia ser pesada. Entretanto isso não interferia em sua mansidão. Sua cabeça era protegida por um chapéu de palha que lhe sombreava a face. Mesmo que seu peito e sua tarrafa estivessem expostos pela luz, seu rosto permanecia preservado. Não tive como reconhecê-lo. Senti uma brisa macia beijar-me a face. E uma aproximação. A moça que estava ao meu lado também pareceu senti-las. Então ela encheu o peito e preparou os lábios para falar: – Sempre gostei desta lagoa. Ela é como um paraíso onde todas as coisas da noite se reúnem. Trouxe-te aqui para vê-lo com seus próprios olhos. – Quem? – Perguntei, achando que se tratava das coisas da noite. Porém senti que não deveria lhe interromper. A moça não mudou suas feições macias e continuou: – Não. As coisas da noite sempre estarão em você por causa da sua alma. Mas estou falando dele – e apontou para o homem que tinha chegado ao ponto central da lagoa e jogou a tarrafa na água – daquele que caminha dentro d’água. Ele não fala nunca, mas pesca todas as palavras ao lançar sua rede na lagoa. E ele conhece todos os destinos, porque eles vacilam em sua tarrafa junto com as palavras que coleta nas águas. Parece que você está lá junto comigo. Não são apenas as nossas visões que se transportam para sua tarrafa ao olharmos, mas antes os nossos caminhos escritos na luz que se deita na lagoa. [140]