Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 138

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Sim, encontrei-me não apenas com uma velhinha que se fixara em minha memória desde o primeiro dia em que a vi, há quinze anos. Encontrei-me também com aquele Office boy que corria de um banco a outro. Aquele rapaz de uniforme de empresa, muito maior que seu manequim. E percorri mentalmente seus passos até esse encontro. Confesso que tive vontade de ir até ela, perguntar, pelo menos, o seu nome. Mas me contive. Contentei-me em andar pela rua lateral, voltando-me para ela que continuava, parada, segurando o poste. Era a imagem antitética do mundo. Procurei em seus ombros e mãos a sacola com os panos de prato. Não os vi. Por que eu não os comprei? Estaria ela ainda bordando? Seu sustento continuaria sendo suas minguadas vendas? Não sei. Como não sei dizer o que sinto neste momento. Não consegui compreender. Desculpe. Mas há algo que me inunda, me sufoca e me afoga. Passarei novamente pelo mesmo lugar com a esperança de vê-la ainda. Porém, a pisada do tempo nos retarda, fatalmente. E quando menos imaginarmos, estaremos também segurando o mesmo poste. E se eu a vir novamente, o que farei? Perguntar-lhe o nome? Para quê? O que poderei fazer por ela, ou melhor, o que ela pode esperar desta hora crepuscular da vida? Não sei, sinceramente, não sei. Mas sei que se eu a encontrar novamente – e temo este encontro – tenho o dever de lhe dizer obrigado. Dizer obrigado, apenas, e sair, deixá-la na incógnita, tão próxima está naturalmente de uma. Hoje, encontrei-me com mim mesmo. Estava perdido no tempo que me trouxe a velhinha de volta. Meus passos já não são os mesmos mais. Talvez, um dia, desses em que a gente não espera, eu possa compreender... Se eu vir a velhinha novamente, direi apenas obrigado? Não, tenho competência para ser mais sensível que o poste: segurarei a sua mão e esperarei acontecer o que não digo. Sou agora um de seus bordados. Hoje, revivi. www.marcioadrianomoraes.com [135]