LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Sim, encontrei-me não apenas com uma velhinha que se fixara em minha
memória desde o primeiro dia em que a vi, há quinze anos. Encontrei-me
também com aquele Office boy que corria de um banco a outro. Aquele rapaz de
uniforme de empresa, muito maior que seu manequim. E percorri mentalmente
seus passos até esse encontro.
Confesso que tive vontade de ir até ela, perguntar, pelo menos, o seu nome.
Mas me contive. Contentei-me em andar pela rua lateral, voltando-me para ela
que continuava, parada, segurando o poste. Era a imagem antitética do mundo.
Procurei em seus ombros e mãos a sacola com os panos de prato. Não os vi. Por
que eu não os comprei? Estaria ela ainda bordando? Seu sustento continuaria
sendo suas minguadas vendas?
Não sei. Como não sei dizer o que sinto neste momento. Não consegui
compreender. Desculpe. Mas há algo que me inunda, me sufoca e me afoga.
Passarei novamente pelo mesmo lugar com a esperança de vê-la ainda. Porém, a
pisada do tempo nos retarda, fatalmente. E quando menos imaginarmos,
estaremos também segurando o mesmo poste.
E se eu a vir novamente, o que farei? Perguntar-lhe o nome? Para quê? O
que poderei fazer por ela, ou melhor, o que ela pode esperar desta hora
crepuscular da vida? Não sei, sinceramente, não sei. Mas sei que se eu a
encontrar novamente – e temo este encontro – tenho o dever de lhe dizer
obrigado. Dizer obrigado, apenas, e sair, deixá-la na incógnita, tão próxima está
naturalmente de uma.
Hoje, encontrei-me com mim mesmo. Estava perdido no tempo que me
trouxe a velhinha de volta. Meus passos já não são os mesmos mais. Talvez, um
dia, desses em que a gente não espera, eu possa compreender... Se eu vir a
velhinha novamente, direi apenas obrigado? Não, tenho competência para ser
mais sensível que o poste: segurarei a sua mão e esperarei acontecer o que não
digo. Sou agora um de seus bordados.
Hoje, revivi.
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