Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 133

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Saindo do banheiro vai secando os últimos pingos grudados nos pelos salientes do seu tórax. Põe a camisa azul de cetim e uma calça clara que delineavam bem o belo corpo, aguarda uma resposta em vão. Homero silenciara como sempre, mas levanta-se, vai à cozinha, convida: – Vamos tomar um café, Afonso? – Pode ser. Ajeita o cabelo ao espelho. Vivia com Homero há alguns meses. Apreciava o seu jeito diferente. Agora ele acaricia o cabelo de Homero, sentando-se na banqueta à mesa. Belisca alguns biscoitos e um pedaço de bolo de laranja que fizera no dia anterior. – Muito bom o seu café! Toma-o aos goles, olha para Homero, que, distraidamente procura juntar as três partes da bolacha salgada que se quebrara no pratinho azul à frente. – Quer que o ajude? Diz Afonso, levantando-se embaraçado. –Vou fazer um ovo mexido! Pega o ovo, mira a pia para quebrá-lo, mas sustém o próprio braço que se erguera, impedido por um grito: – Nããão!! Cuidado! Não o bata. Vai estragar a casca! É melhor cozinhá-lo. Afonso, amuado e sem entender quase nada, larga o ovo lentamente na pia dentro de uma xícara sem cabo. Vai ao quarto, deita-se a meditar e a refrescar as ideias que insistiam em confundi-lo. Aquilo não dava mais, seria uma atitude de vingança ou uma neurose? Seu companheiro jamais expunha seus sentimentos, exceto em pequenos gestos. Olha a mochila num canto – sua mala fora emprestada – e vai deslizando-se na cama, fecha os belos olhos enquanto Homero se aproxima com uma suave manta, que desdobrando bem esticadinha cobre o corpo de Afonso, como a de um menino. Página literária no face: @lustoccoliterata Contato: [email protected] [130]