Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 132

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Luzia Stocco Piracicaba/SP Torradas não se despedaçam – Homero, me desculpe, mas é a quarta vez que deixo minha toalha dobrada na cama pra eu tomar banho, e você a guarda na gaveta! É de irritar, sabia? – Fica feio assim, ela aí sobre a colcha, diz Homero. – A colcha azul perfeitamente estendida, sem vincos, né! Fala enquanto abre a gaveta, pega a toalha e a joga nas costas dirigindo-se ao banheiro. Homero a puxa e retoma a toalha, a recoloca dobrada sobre a cama sem tempo de ser impedido. “Pronto! No mesmo lugar!” – Mas que prática! Você poderia ser camareira, meu bem! Dê-me aqui!! Diz, pegando novamente a toalha e entrando com rapidez no chuveiro, não sem antes virar o pescoço para trás, à esquerda, com os olhos mais aquosos e mais vivos do que nunca: – Seu perfeccionista de uma figa!! Conhecia Homero há dois anos, todavia sabia tão pouco de sua história. Homero sentou-se à cama macia, cabeça solta entre as grandes mãos em concha, cotovelos nas pernas retesadas. A torrada intacta. Tinha de estar intacta. Viu-se menino, o pai à mesa, ao seu lado. Ele mesmo consertando a torrada que se partira ao passar geleia de amora com suas mãozinhas. – Perdem-se os restolhos e fica torta, fica feia! Perdem-se os restolhos e fica torta, feia!!! O menino comeu rapidamente os pedaços, e temendo que a segunda torrada se quebrasse enfiou-a na boca em dois bocados, sem a geleia. Assim eram todas as manhãs e ao chá da tarde. A mãe provavelmente não aprovasse a atitude do pai. Olhou ela de canto para o filho, encostada na porta da copa, tão leve, tão mansinha que parecia invisível a si mesma. - Assim era mamãe, murmurou Homero. – O que disse, querido? [129]