LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Luzia Stocco
Piracicaba/SP
Torradas não se despedaçam
– Homero, me desculpe, mas é a quarta vez que deixo minha toalha
dobrada na cama pra eu tomar banho, e você a guarda na gaveta! É de irritar,
sabia?
– Fica feio assim, ela aí sobre a colcha, diz Homero.
– A colcha azul perfeitamente estendida, sem vincos, né! Fala enquanto
abre a gaveta, pega a toalha e a joga nas costas dirigindo-se ao banheiro.
Homero a puxa e retoma a toalha, a recoloca dobrada sobre a cama sem tempo
de ser impedido. “Pronto! No mesmo lugar!”
– Mas que prática! Você poderia ser camareira, meu bem! Dê-me aqui!!
Diz, pegando novamente a toalha e entrando com rapidez no chuveiro, não sem
antes virar o pescoço para trás, à esquerda, com os olhos mais aquosos e mais
vivos do que nunca:
– Seu perfeccionista de uma figa!!
Conhecia Homero há dois anos, todavia sabia tão pouco de sua história.
Homero sentou-se à cama macia, cabeça solta entre as grandes mãos em
concha, cotovelos nas pernas retesadas. A torrada intacta. Tinha de estar intacta.
Viu-se menino, o pai à mesa, ao seu lado. Ele mesmo consertando a torrada que
se partira ao passar geleia de amora com suas mãozinhas. – Perdem-se os
restolhos e fica torta, fica feia! Perdem-se os restolhos e fica torta, feia!!! O
menino comeu rapidamente os pedaços, e temendo que a segunda torrada se
quebrasse enfiou-a na boca em dois bocados, sem a geleia. Assim eram todas as
manhãs e ao chá da tarde. A mãe provavelmente não aprovasse a atitude do pai.
Olhou ela de canto para o filho, encostada na porta da copa, tão leve, tão
mansinha que parecia invisível a si mesma. - Assim era mamãe, murmurou
Homero.
– O que disse, querido?
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