LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Passei a morar com uma acompanhante desconhecida e mantinha cada vez mais
estreito relacionamento com o “estranho invasor.” Ele já era íntimo e já havia
tomado grande parte da minha mente. Pensava nele o dia todo, era regulada por
ele que passou a mandar na minha vida. Nem mesmo os proventos da minha
aposentadoria eu podia comandar, independentemente, como sempre o fiz. Por
causa dele tive que ser comandada, submetida aos caprichos desse impostor
muito embora eu nada enxergasse do que estava me acontecendo.
Viajava sem destino para o mundo do esquecimento, nada mais me
importava, não tinha mais preferências e havia me tornado fria e agressiva. A
aparência pessoal também sofrera alterações, usava roupas que não combinavam
peça com peça, sempre fora de moda sem me importar com o que falariam da
minha figura de mulher.
De repente, uma situação trágica. Minha filha resolve me colocar em uma
Casa de Repouso dizendo que o meu comportamento estava muito alterado e que
morando em apartamento estava difícil de conviverem comigo e com o meu
companheiro. Ela me aceitaria, mas se eu deixasse esse tal companheiro de
viagem. Fui clara e, absorvida pelos encantos dele não consegui mais deixá-lo e
ele me acompanhou para o Vale do Sossego, sempre agarrado comigo dia e
noite. Era uma obsessão minha e dele num caso de posse infinita onde cada vez
mais eu me sentia presa sem poder me livrar das suas garras. Às vezes era
apavorante o meu pensamento a respeito dele, tinha desejo de agarrar no seu
pescoço e estrangulá-lo com minhas mãos para poder ter paz para viver. Queria
me vingar do que ele estava fazendo comigo e ao mesmo tempo era atraída pela
sua rede e dela não conseguia me libertar, até nos lugares mais secretos ele
estava me perseguindo e mudando minha forma disciplinada de me comportar.
Sentia-me enfraquecida e sem forças para lutar e só tinha pouco mais de
meio século de vida. Meus filhos já eram irreconhecíveis e poucos me visitavam.
Cantava modinhas de roda, brincava de boneca e andava muito pelo jardim do
casarão que me acolheu. Ele par a par ao meu lado continuava me dominando
Cada vez me entregava mais aos caprichos dele. Era a forma mais cômoda de
sobreviver ao trauma do relacionamento. Ele me confundia, me irritava, tinha
sérias alterações de humor e a memória ficava cada vez mais fraca, levando-me
a desligar da realidade.
Ora, o que mais poderia fazer uma mulher entregue a avidez e a força dos
seus sentimentos mais íntimos, sem poder brigar por eles? Ele havia
transformado a minha vida num caos. Livrar-me dele, pensei, seria uma solução?
Eu nem sequer sabia o seu nome, o nome daquele perseguidor que me
destruiu lentamente... A viagem ao mundo do esquecimento havia apagado as
minhas lembranças. Fui então me preparando devagar, fortalecendo o desejo de
acabar com ele e ficar livre!
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