LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Alice Luna
Belo Horizonte/MG
Transação de artista
Eu decidi vender minha alma.
Um amigo meu, anarcocapitalista, disse que não havia necessidade de vender a
minha alma pelo que estava procurando. Bastava vender a de outra pessoa.
Discordo plenamente dele, apesar de respeitar sua opinião. Acho que vender a
própria alma reforça a sensação de sacrifício. “Quero tanto algo que abriria mão
da minha própria alma”. E, afinal, não é como se não fôssemos, ao fim de nossas
vidas, cair em um abismo infernal de dor e sofrimento. Exercemos bem o ofício
de pecadores.
Vocês devem estar se perguntando o que me levou a tomar tal decisão.
Eu, como grande parte dos bons romancistas, sofro de insônia. Já estou bastante
conformado (para não dizer satisfeito) com isso, aproveitando essas satisfatorias
horas extras a trabalhar no meu novo livro, Minha Bela Ofélia. Essa historia me
provoca emoções tão fortes que prefiro escrevê-la à meia luz, proporcionando a
atmosfera característica. Infelizmente, não tenho um bom abajur; e é aí que meu
drama começa.
Durante uma das minhas caminhadas matinais, me deparei com uma abajur em
uma loja de antiguidades. Não era um abajur qualquer. Era o que eu estava
procurando desde o tímido florescer do meu romance. Tinha a cúpula formada
por várias rosas de vidro colorido, a haste de metal dourado com folhas
esculpidas e acendia por uma graciosa cordinha da mesma cor da haste. Eu podia
enxergar a púbere Ofélia a dançar através das luzes bruxuleantes do abajur.
Decidi comprá-lo, e qual foi meu espanto ao perceber que ele já estava reservado
a outra pessoa! Perguntei seu preço, para ver se podia oferecer algo a mais. Não
podia. Andei pela cidade inteira a procurar um igual, consultei sites do mundo
inteiro e cheguei até a encontrar o endereço do dono do abajur, a quem me
prostrei de joelhos, com lágrimas nos olhos e cheques no bolso.
Nada adiantou. Aquele era um exemplar único no mundo todo e eu não o tinha.
Portanto, sim, venderei minha alma por aquele abajur. Não é como se ela valesse
muito mais do que isso.
http://lunadomundo.blogspot.com/
[21]