Revista LiteraLivre 17ª edição | Page 31

LiteraLivre Vl. 3 - nº 17 – Set./Out. de 2019 Alexandre Espósito Assis/SP Uma herança pouco provável 1 Herança boa é quando o familiar falecido é muito distante e a gente mal o conheceu. Quando não deu tempo de se alegrar em vida com ele e menos ainda ter tristeza em sua morte. Como naqueles raros casos que alguém herda uma casa daquele tio-avô que mal sabia o nome ou nem fazia ideia de sua existência. Mas isso é só coisa de filme mesmo. O que ocorre às vezes são aqueles casos que os familiares se juntam para fazer certas retiradas das antigas coisas de seu ente querido e acabam pegando alguma coisa para si, como se fosse uma certa herança não anunciada. Era o caso dos familiares que foram desocupar uma casinha alugada por Anderson, um jovem rapaz que sonhava em um dia morrer glorioso em um belo funeral, mas acabara por ter sido carbonizado junto com a tia na casa dela. Ela nunca havia trocado a mangueira do fogão que tinha desde 1975, e claro que uma hora as coisas poderiam explodir. Não dava para distinguir quem era quem ou o que era o que depois de tudo ter ido pelos ares. Sentiram mais pena de Anderson do que da velha tia Geralda. Ela já estava em idade avançada. Já ele, além de moço, tinha um desejo obsessivo pela própria morte, pagava plano funerário e havia comprar um lindo caixão para um dia descansar pela eternidade em luxo. Nem na morte pode se realizar, já que havia virado cinzas. Apesar do sentimento de pena, não tinham muito cuidado na hora de falar sobre ele. Existiam dois homens já falecidos muito jovens com o nome de “Anderson” na família. Como um deles havia tido uma morte um pouco comum, quando os familiares mais distantes contavam alguma história envolvendo ele, alguém perguntava: “Qual Anderson? O que explodiu?” Perguntavam sem a menor sensibilidade ou pudor, mais por questão de simplicidade e sinceridade do que por alguma intensão de fazer piada maldosa. Não percebiam que poderiam estar sendo um pouco rudes ao falarem dessa maneira. Combinaram de irem cedo na casa daquele que “explodiu” para fazer a retirada de suas coisas. Os familiares que chegaram primeiro acabaram “herdando” TV, geladeira, fogão, uma máquina de fazer pão, uma geringonça feita de plástico e ferro que seus primos ainda não sabem exatamente para que serve e outras coisas menores. Os primos e tios olhavam para aquele caixão 1Uma primeira parte dessa história foi publicada na Revista Literalivre nº16. [28]