Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 24

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 também, sobre a garota da bicicleta, filha de gente da elite, que morava em bairro elegante mas gostava de se divertir com os marinheiros e estivadores, escolhendo entre eles os mais fortes e suados para se deitar nos trapiches ou mesmo na areia fazendo sexo misturado com cheiro de suor, peixe e cachaça. ‒ Estranho - dizia Floriano - por que uma moça fina (podia se notar!) iria gostar deste tipo de vida? Seria uma pervertida? Teria algum complexo, algum problema? Floriano não sabia ao certo, mas é claro que esta informação dada pelo turco lhe trazia enorme curiosidade e também um enorme desejo que consumia todo o seu ser. À noite, na alcova, o homem tinha sonhos libidinosos com a garota e acordava pela madrugada banhado de suor e com a sensação de ereção do membro com orgasmos sucessivos; pensava em provar de forma concreta esta sensação e sentia que de alguma forma isto podia lhe fazer muito mal. Em algumas noites saía de mansinho e de longe, escondido pelas dunas, espionava a menina. A luz bruxuleante da lamparina no trapiche transformava em sombras os movimentos do casal e Floriano, com o amargo gosto da revolta, sentia por aquela mulher um ódio tresloucado. Às vezes, no entanto, seus sentimentos eram de carinho e amor incontido. Naquele anoitecer viu a garota passar e sentiu a inexplicável sensação de desejo, ódio, prazer e amor. Esperou a noite chegar, o movimento da ladeira arrefecer e, então, se vestiu e saiu de casa devagar, passo a passo, sentindo o friozinho da brisa marítima se misturar com o calafrio de suas veias. Passou pelo turco que subia do cais, mas mal o cumprimentou, na verdade, nem o viu, mergulhado que estava em seus devaneios. Os pés na areia grossa emitiam um som que o atordoava e, pela primeira vez, sentiu-se cansado, quase sem fôlego, atravessando as dunas. Encontrou jogada na areia a bicicleta e viu no trapiche próximo as sombras que o atormentavam. Aproximou-se mais e ficou ali por muito tempo ...E, então aconteceu... Pela manhã não se lembrava de como voltara para casa. Vagamente se recordava de ter levantado a bicicleta da areia e a encostado em uma duna. Estava confuso e parecia ter ouvido gritos, mas não sabia se fora um pesadelo. Abriu a janela, viu o carro da polícia na esquina e o turco apontando para sua casa, sentou-se na cama e seus sapatos estavam sujos de sangue. A porta se abriu e o policial entrou com as algemas na mão. Floriano, quase letárgico, estendeu os braços porque já sabia o que ia acontecer. 21