LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Pé no passado
Marcelo Castro dos Santos
Porto Alegre/RS
No começo era a Conga. Um calçadinho simplório de lona azul e borracha
branca que era unanimidade entre a meninada. Quem já tinha conseguido se
desvencilhar do temível sapato colegial, só usava a tal da Conga. Era
relativamente confortável, combinava com o uniforme da escola, além de durar
muito e custar quase nada.
Pouco depois, causando sensação entre os garotos, surgia o Kichute: bem
feinho, é verdade, todo preto e com umas agarradeiras que lembravam chuteiras
de jogador de futebol, mas dava um certo status a quem o usava. A gente até
passava a caminhar diferente! Além disso, tinha uma certa bossa para usá-lo:
amarrava-se o cadarço em volta do tornozelo e não em cima do pé, como os
outros calçados. Conforme o comercial da TV, quem usasse o kichute ganhava os
poderes do Cyborg – O Homem de Seis Milhões de Dólares, seriado famoso dos
anos 70 onde o personagem principal só faltava voar. O kichute era a própria
evolução, um salto tecnológico da indústria calçadista (a gente acreditava...).
Depois dele, a Conga, virou coisa de menina...
O primário chegava ao fim. As calças de tergal azul-marinho eram
substituídas aos poucos pelas US Top, o tal “brim coringa” como a mãe da gente
chamava, e que eram usadas com a barra dobrada para cima, o que dava um
look todo especial, ainda mais quando combinadas com a última palavra em
tênis: o Bamba Maioral. Feito também em lona com borracha, já surgiu nas mais
diversas cores. Garoto que fosse descolado tinha que ter um; mas que não
aparecesse de Bamba vermelho: era coisa de menina ou de “maricas” (ô
machismo...).
O curioso de todas essas marcas de tênis é que elas duravam tanto que dava
pra enjoar. Por pior que estivesse, era só dar uma lavadinha e estava novo. Sem
falar que, pra comprar, não precisava crediário, cheque pré-datado ou cartão de
crédito: a gente juntava uns cruzeiros e tava com um guides zerado na mão (ou
melhor, no pé...).
Em tempos de ginásio, dividindo a preferência da rapaziada, iam surgindo,
aos poucos, os tênis de couro, os tênis com velcro em vez de cadarço, os tênis
sem velcro nem cadarço, os tênis com elástico, os tênis com zíper... Mas... em
plenos anos 80, com alguns anos de atraso, desembarca no Brasil o americanóide
All Star, usado nos EUA pelos jogadores de basquete. Foi a “coqueluche”! Junto
185