Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 150

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 içando Leonora e sua carruagem de fogo, rebocada por 16 cavalos e suas 48 ferraduras de prata, salvando-a do degelo movediço da montanha. Por isso tomarei outro rumo. Tentarei descrevê-la naquilo em que fui cúmplice, como se um diário fosse. Para quem não entende de nenhum estilo literário, forma melhor não há. No entanto, não fosse minha parca sabedoria faria de Leonora uma heroína. Assim como Salomé, uma Sherazade, uma Olga, uma Anita Garibalde; ou quem sabe, uma lenda budista, uma deusa grega ou um ente folclórico. E por que não uma Ana Karenina? Só por que foi suicida? Mas de nada adianta meus esforços, porque só tenho reminiscências... Aliás, Leonora não foi à estação àquela tarde para me matar. Ela apenas foi avisar que tudo já estava pronto, que eu poderia voltar. Mas a cena que ela assistiu foi fatal para o desenlace do ardil montado. Sua investida contra mim já estava planejado, o meu revide é que foi excessivo, fora do roteiro, uma fatalidade. Agora estava eu ali, sentado no mesmo banco, na mesma estação, esperando o mesmo trem. Sendo alvo de olhares de desdém e perguntas indiscretas entre os passantes. Cada um tentando imaginar meu drama... Estaria eu com fome, desempregado, doente... Por quem sofro, por quem choro?... Não, não venham me perguntar. Porque não direi que é por Leonora que choro. — Está vendo ali? — Estou. Mas, será que está chorando mesmo ou é impressão minha? — Está chorando, sim. — Coitado! Leonora tinha uma discreta personalidade, da qual cultivava um gênero não muito difundido de elegância, de uma intimidade invisível, cheia de pudores; se recusava a qualquer forma de ostentação. No seu conceito, uma forma inconteste de soberba. Sempre fora uma voraz crítica ao modismo, as tolas invenções, aos falsos raciocínios, as hipocrisias e todos os delitos humanos. Guiava-se Leonora apenas pelo sentido poético. Embora tivesse sido de uma poética violenta, às vezes. Pois que, ainda está muito vivo em minha mente, e é apavorante a lembrança Dela me enterrando todo o corpo na areia salgada da praia e sair para fazer compras na feira de artesanato local. E vale lembrar que Ela era extremamente fissurada por quiromancia e cartomancia. Embora todas as suas adivinhações fossem fundamentadas nas 147