LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
mando que cale a boca, mas ela não cala. Estou com a boca seca, o peito mole,
doendo. Difícil é engolir a noite, mastigá-la e sentir seu gosto amargo. Ouvir a
campainha tocando sem parar. A angústia fazendo do desespero uma faca
silenciosa cortando as fatias do medo e saber que serei a próxima vítima de mim
mesmo.
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A ideia persiste, tenho que escrever sobre Leonora. Tantas vezes tenho
pensado durante este último ano tão penoso e vazio para mim. Preciso ocupar o
espaço físico de Leonora, dando-me um sentido maior. É necessário que se faça
um outro ser dentro de mim. O rumor de suas palavras, durante a noite, já não é
o suficiente para consolar meu espírito que sofre tantos sobressaltos.
Sim, muito eu teria a dizer sobre o modo de ser de Leonora. Embora tenda a
acreditar ser muito difícil falar sobre Ela. Sua forma frágil e imperatriz de ser,
seus devaneios e sua mansidão, o pacato e o agressivo do olhar. Creio, pois,
desnecessário salientar a dificuldade que tenho de formular conceitos, sejam eles
quais forem sobre Leonora.
Há nas minhas lembranças estranhos hiatos. Fixaram-se, ao mesmo tempo,
coisas insignificantes e extraordinárias. Depois vem um esquecimento quase que
total. E essas recordações aparecem-me sempre emaranhadas e esmaecidas.
Nada se organiza em minha memória. Daí o motivo de nada poder escrever sobre
Leonora. Então...
Pego seu retrato e olho-o com zelo, e observo que meia metade, um quarto
daquilo que houvera sido já está retraçalhado pela traça. Essa descoberta me
confunde, me assusta. Foi sob esse profundo horror que repus o retrato onde
estava. E percebo que não tenho mínima capacidade de escrever sobre Leonora.
É quando um remordimento e a dor tomam conta de minhas entranhas, logo
choro convulsivamente a melancólica lembrança Dela. Então imploro aos deuses
que devolvam minha Leonora. Mas eles nada me dizem como resposta. Eu sei
desta impossibilidade, então volto a cair em um pranto ainda maior e durmo
numa inconsolável tristeza. E quando acordo estou mais triste ainda e decido que
escreverei de Leonora o que Shakespeare escreveu de Desdêmona; Cervantes
divagou sobre a Dulcinéia del Toboso para o seu Quixote e Rosa cantou de
Diadorim e Riobaldo. Porque, realmente sou desprovido de talento para escrever
sobre Leonora.
Mal faço anotações sobre sonhos exóticos, encontros impossíveis como os
que tive à meia-noite de um dia qualquer. Em que sobrevoava o Monte Everest,
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