LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Tornou a pressionar o gatilho da Luger, porém não esperava que um golpe às
cegas do lobo, com um dos braços, atirasse a pistola para longe de sua mão.
Sua mente, seus instintos e toda a Inteligência soviética realmente o
haviam subestimado.
Deixou que a fúria fluísse por seu corpo. Os olhos brilharam em rubro tão
intenso quanto as íris do lobo; a boca se abriu com os caninos afiados sedentos
por sangue. Abaixou-se para escapar de outro bote do adversário, atacando-o
enquanto passava sobre si, os punhos golpeando-o no peito. O lobo ganiu,
estimulando-o a prosseguir com o ataque. Enquanto a fera colidia de costas com
uma poltrona, virando-a, o vampiro acelerou até ele com uma mão prestes a
atravessá-lo...
Quando sentiu o braço em torno de seu pescoço, travando-o – a força do
membro contrastando com sua suavidade. Era um braço de mulher, sua visão
permitindo-o identificar as unhas pintadas de vermelho e a pele muito branca,
pelos levemente eriçados devido à adrenalina. Sentia o sangue excitado pela
ação percorrer todo o corpo da jovem, pulsando intenso e apetitoso, as artérias
transbordando de ímpeto. A sede voltou a acometê-lo, agora com uma ponta de
luxúria – mas não conseguia se desvincular do abraço, tampouco voltar a cabeça
para vislumbrar a agressora.
Os acordes regidos por Wagner anunciavam a chegada de uma própria
Valquíria para socorrer o Führer, este se levantando devagar e ofegando,
visivelmente combalido pelos ferimentos a prata, que agora lhe pesavam.
O cheiro do sangue agitado da mulher deu lugar, momentaneamente, a seu
perfume – fragrância fina e cortante, que queimava os pulmões do vampiro.
Alho, convertido em sutil colônia com a qual banhara todo o corpo. Eficaz
proteção contra qualquer um como ele.
Tratava-se de Eva Braun, como reconheceu tardiamente o agente do NKVD.
Enigmática amante do Führer que não fora convidada para a recepção daquela
noite, estrategicamente planejada para afastá-lo de sua guarda pessoal – embora
a transformação não houvesse sido premeditada. Ele possuía outra carta na
manga, afinal de contas... Uma improvável guardiã também ignorada pelos
soviéticos.
Enquanto o braço direito da mulher mantinha o aperto sobre o russo, o
esquerdo subitamente adentrou também seu campo de visão... erguendo
pontuda estaca. Soltando seu último suspiro, o vampiro aguardou algumas
palavras, no mínimo uma declaração. Ela veio em sua própria língua, embora
carregada de sotaque:
– Vocês nunca o derrubarão... Nunca.
Ouviu um último ganido do lobo enquanto a madeira era cravada em seu
peito. A dor lacerante de seu coração se convertendo em cinzas fê-lo quase
berrar, porém ainda manteve a dignidade – desfalecendo em meio aos braços de
Eva enquanto todo seu corpo se desintegrava. O último vislumbre, antes de
deixar o mundo humano, foi a suástica ainda pendente no braço do lobisomem.
Triunfante, hipnotizadora.
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