LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Cantônio
David Leite
Jandira/SP
— Antônio...
Silêncio.
— Antônio...
Apenas murmúrios e o farfalhar das folhas da árvore pela janela.
— Antônio!
— Responde, Cantônio! - Uma voz emerge do meio da sala, com um tom de
demanda.
— Presente...
Do canto da classe, Antônio, atônito, responde de sobressalto a chamada da
professora.
— Tava perdido dentro de sua cabeça de novo? A próxima vez te colocarei em
falta. - A professora provoca.
Não tanto perdido, pensava Antônio. Estava entregue, como de costume, a
imensidão que ele conhecia. Um horizonte gigantesco, de um céu de cores
quaisquer que quisesse, de vales e montanhas que assim desejasse e miríades
de caminhos para se trilhar e ainda assim, não se perder. Não havia como estar
perdido ali, pois não haveria destino a se chegar onde já se deveria estar.
Mas a chamada havia sequestrado ele do seu mundo particular e ele havia
retornado para aquela rija realidade. Estava em seu canto, a última carteira,
ligeiramente perpendicular a fileira. Era assim que se sentia confortável, pois
ficava em vértice com o resto da classe, com todos em vista, e, como acontecia
com frequência na hora da chamada, todos olhando para ele, esperando sua
resposta.
Tendo o término da chamada, segue a liturgia escolar... Algo sobre biologia,
animais gregários, manadas e...e...algumas coisas a mais.... Aos poucos, os
vales de Antônio começam a se povoar....bois e vacas começam a virar grandes
manchas malhadas na extensão verde....ovelhas, cabras, alunos....Alunos?...
54