LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
A desventurada
Sara Timóteo
Póvoa de Santa Iria/Lisboa,Portugal
A convite da responsável pelos recursos humanos da empresa, Ernestina
tomou um lugar à mesa utilizada para concluir os processos de recrutamento e
seleção do pessoal. A mesa era branca, mas ela já conseguia distinguir alguns
traços de sujidade decorrentes de uma deficiente manutenção por parte da
equipa de limpeza. Estremeceu ao pensar na quantidade de fluidos e de germes
contaminantes decerto presentes em cada metro quadrado da superfície só na
aparência intocada.
Ernestina Fontes (ela e a diretora de recursos humanos partilhavam o
primeiro nome, afinal) informou-a de que teria de proceder ao pagamento com a
maior brevidade possível, uma vez que transitava para a própria empresa a partir
da agência de trabalho temporário. Propunha que a liquidação fosse efetuada em
duas fases: a primeira, ainda no decurso desse mês; e a próxima, aquando do
fecho de contas.
Ernestina entrara em contacto com os advogados responsáveis pela gestão
do sindicato da sua área profissional. Um pagamento excedente de 600 euros
teria de ser devolvido, pois não lhe cabia a ela ficar com qualquer valor
excedente. No entanto, sugeriram o parcelamento da quantia em 50 Euros
mensais (valor que Ernestina sabia ser impensável para aquela máquina voraz
designada como emprego ou função profissional). Esse parcelamento era
contrário à cultura da empresa, pelo que teria de submeter-se ou ser despedida.
Apesar de tudo, apreciava as suas tarefas profissionais, tanto quanto todos os
membros da equipa – e já trabalhara o suficiente para saber o quão essa
harmonia entre sentimentos era rara.
Soube que teria de ceder ao imperativo promulgado pela empresa, mesmo
que tal implicasse a suspensão temporária das sessões de fisioterapia e as
consequências de saúde que daí adviriam. No total, poderia contar com cinco
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