LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Terça-feira apareci de surpresa, à hora do fecho, mas estava tudo arrumadinho.
Na manhã seguinte cheguei bem cedo e entrei com o vigilante. Um prosaico
quadrado enchia o caixilho. Suspirei de alívio, pensando ter identificado o
brincalhão. O sorriso sobranceiro que me preparava para dirigir ao vigilante
fechou-se-me logo a seguir. O quadrado não era o da folha-guia, mas um dos
outros 536 que as combinações das 14 peças do jogo permitem.
— Mas, então, não me digas que o Arquimedes voltou lá da Siracusa de
antes de Cristo para gozar contigo! — ironizei.
— Nem pensei no Arquimedes. Já estava a ficar maluco, mas nem tanto! Só
pensava em como podia descobrir o que de estranho se passava naquela sala,
quando eu lá não estava. Então, lembrei-me das câmaras de vigilância, mas a
sala dos jogos não as tem. Para grandes males, grandes remédios! No dia
seguinte, camuflei uma microcâmara com emissor apontada à zona da mesa do
Ostomachion. Não me olhes com esse olhar de reprovação! — eu precisava de
desvendar aquele mistério, o quanto antes. Essa noite passei-a no carro, em
frente ao museu, a vigiar o Ostomachion pelo meu portátil; mas, acabei por
adormecer. Acordei com o clarear do dia e o barulho do trânsito. Apressei-me a
olhar para o ecrã — um retângulo alongado reclinava-se no branco da mesa…
Digo-te, naquele momento, desanimei — o fantasma que alterava o Ostomachion
voltara a atacar e eu voltara a não ver nada. Mas logo a seguir vi surgir uma
mulher. Fazia deslizar pelo soalho o que parecia ser um aspirador. Ou uma
enceradora. Ao passar pela mesa, parou, olhou o puzzle por uns momentos,
moveu dois conjuntos de peças e afastou-se, deixando um aprumado losango...
— Estás a gozar; a empregada da limpeza?
— É verdade! Eu também tive dificuldade em acreditar. Quando, umas duas
horas depois, saiu galhofando com as outras, segui-a. Era negra e muito bonita,
com uns olhos… No autocarro para a Pontinha, foi o tempo todo a resolver
sudokus. À saída, abordei-a. Expliquei-lhe quem era e porque a seguira. E pedi-
lhe desculpa, claro! Depois de ter ganho confiança, disse-me que não tinha
nenhuma razão conspirativa para alterar o quadrado do Ostomachion, só um
enorme gosto por puzzles e paciências. Nisso convergimos. Acabámos por ficar
bastante tempo à conversa e até lhe expliquei as minhas técnicas para resolver
os sudokus, mas não eram novidade para ela. Sabes, convergimos noutras coisas
— sorriu-se o meu amigo. — Temos saído algumas vezes. E acho que o meu
trabalho para Geometria do segundo semestre vai ser sobre o Ostomachion.
Como homenagem…
http://vislumbresdamusa.blogspot.pt/
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