LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
A Caixa de Arquimedes
Joaquim Bispo
Odivelas, Portugal
— Eu nem queria acreditar! — o tom teatral do meu amigo Rui, na fila de
almoço da cantina da faculdade, prometia história. — As peças do Ostomachion,
em vez de estarem arrumadinhas no caixilho delas, estavam ao lado,
ostensivamente, a formar um triângulo retângulo.
Somos colegas do curso de Matemática Aplicada, mas ele tem um part-
time no Museu de História Natural e da Ciência, onde faz visitas guiadas às
quartas e aos domingos. Diz que é para ajudar a pagar as propinas, mas eu acho
que ele gosta mesmo é de revelar aos visitantes as pequenas maravilhas da
ciência, expostas no museu. Já tem falado do brilho que parece acender-se no
olhar de quem, de súbito, apreende a explicação.
— Fiquei surpreendido, mas agradado — continuou ele —, porque nunca
tinha visto qualquer visitante a conseguir construir outra figura. Geralmente,
limitam-se a tentar reconstituir o quadrado inicial, o que alguns conseguem,
porque a folha de apoio mostra o desenho da posição relativa das peças. Quando
não conseguem, lá está o vigilante que recoloca tudo na posição própria.
O Rui falava de um jogo matemático inventado por Arquimedes — o
Ostomachion ou Caixa de Arquimedes. Não sabemos se o usava como
passatempo para exercitar o cérebro ou se tinha objetivos de pesquisa científica.
É constituído por 14 peças planas, de variados formatos poligonais, com as quais
é possível construir figuras geométricas planas ou sugerir objetos em silhueta, à
semelhança do popular Tangram. Na “sala de jogos” do museu, está exposta
mais uma dúzia de outros jogos ligados à geometria e à matemática, que foram
surgindo ao longo dos séculos.
— Não tinha importância se o jogo era apresentado de uma maneira ou de
outra, mas, fiquei curioso: quem poderia ter-se lembrado de tentar montar um
triângulo e tê-lo conseguido, com todas aquelas peças irregulares? Falei com o
vigilante da tarde, que me garantiu que tudo tinha ficado arrumado como
habitualmente. Mistério…
Eu próprio comecei a ficar interessado na história, confesso.
— No domingo seguinte, era um hexágono que me sorria zombeteiro, onde
devia dormitar um quadrado. O vigilante, desperto para a questão, disse-me que
todas as manhãs encontrava uma figura geométrica diferente, construída com as
peças do Ostomachion. Como podia ser isso? Comecei a duvidar de toda a gente.
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