LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
Os tapetes
Nanci Ricci
São Paulo/SP
Quem me acordou, como sempre, foi Zeus, meu gato. E por mais alegria que
ele me dê ao nascer do sol, naquele dia saí da cama pesarosa, pressentindo que
o dia seria esquisito. Nem escolhi a roupa direito para ir trabalhar. E olhe que
sempre gosto de combinar tudo, roupa, sapatos, jamais saio sem brincos nem
batom. Até consegui passar um batom meio sem cor, mas brincos, pela primeira
vez, fiquei sem e fui com as orelhas nuazinhas. Depois de subir de ônibus lotado,
descer de ônibus lotado, pegar trem, lotação, cheguei, enfim ao meu trabalho. E
ter um trabalho, em certas épocas, ou melhor, em todas as épocas, é um luxo.
Cumprimentei a todos os que encontrava pelo caminho com um leve abaixar de
cabeça. De minha boca não tinha jeito de sair nem um “bom-diazinho” sequer.
No banheiro, lavei o rosto e não acreditei na minha cara lambida. Procurei na
bolsa um batom mais vivo, um rosa ou vermelho-claro, e não achei. Não me
conformava com minhas orelhas peladas e fucei na bolsa para ver se não tinha
um par perdido em um dos dez compartimentos dela. O jeito foi começar a
trabalhar com cara lambida e orelhas peladas. Liguei o computador e esperei o
lerdo iniciar. Trabalhei um pouco, vi quando o café chegou nas garrafas térmicas
e corri para pegar um. Algo precisava tirar de mim aquela sensação esquisita e
tinha esperança de que o café o fizesse.
Voltei para o meu lugar e vi que meu chefe já havia chegado. Para ele eu
disse um bom-dia falado e, antes que eu me sentasse, ele me chamou. Quis
saber algumas coisas do trabalho que eu estava fazendo e me disse que às 10
horas era para eu subir para a sala de reunião do 5º andar. Voltei para minha
mesa mais pesada do que quando acordei. Sala de reunião? Para quê?
O tempo de espera até o horário para eu subir pareceu infinito. E minha
ansiedade galopante não deixava que eu fizesse mais nada de útil. Passei a
visualizar mil tragédias e cenários futuros terríveis e doloridos.
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