LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
Eu tinha 44 anos, dependia daquele salário para tudo: o aluguel do
apartamento mínimo no centro da cidade, minha alimentação e do meu gato,
contas de água, luz, gás, telefone, Netflix, etc. A família havia se diluído no
caminho. Uns mortos, outros eu não via fazia décadas, e eu havia sobrado e
ainda estava por aqui.
Dez horas. Subi. De escada, para a cada degrau subido eu poder pensar
sobre mais situações avassaladoras e terríveis. Entrei na sala branca e gelada e
sentei na cadeira cinza de metal frio. Comecei a chacoalhar uma das pernas, com
a ansiedade concentrada nelas. Fiquei uns dez minutos esperando até que
chegou a moça do RH, baixinha, com um salto enorme, roupa parecendo que foi
passada no corpo e cabelos lisíssimos e brilhantes. Disse-me um bom-dia com
um sorriso amarelo, ainda que os dentes dela reluzissem de tão brancos, e
sentou do outro lado da mesa, colocando uma pasta em cima. Toda a introdução,
as justificativas, os esclarecimentos sobre os problemas pelos quais a empresa
estava passando, todo o blá-blá se resumiu em uma frase curta e devastadora:
“Você está despedida!”.
Juro que me deu vontade de pedir “PeloamordeDeus” que não me
despedissem, pois onde eu ia encontrar trabalho com dezenas de milhões de
desempregados e tal? Que bom que um orgulho que sempre temos me impediu
de fazer isso e também me impediu de chorar ali, na frente da moça.
Desci as escadas, peguei minha bolsa e saí, sem olhar para ninguém, sem
dizer nada. Alguém me chamou mas a rapidez com que saí não deixou a pessoa
me alcançar. Lá fora chorei. Fui chorando no ônibus, no metrô e desci uns 3 km
longe de casa para poder passar no mercado. Não chorava mais.
Comprei comida para mim e para Zeus e produtos de limpeza em excesso.
As sacolas ficaram absurdamente pesadas. Dividi entre os dois braços e me
arrependi de ter comprado tanto. Sempre tive muito medo de passar fome, e
essa é a justificativa para a compra enorme de comida. Ainda tinha dinheiro e ia
receber o valor da rescisão, por isso acho que quis fazer estoque. Nunca passei
fome na vida, mas quase. Éramos bem pobres e vivíamos com grande
dificuldade, mas nunca faltou comida. Ela chegava com muito sacrifício, mas
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