LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
O rapto de Hélade
Joaquim Bispo
Odivelas, Portugal
Na pátria dos Aqueus, em tempos de ninfas e faunos, vivia-se ao sabor das
estações, aproveitando as benesses que a Natureza generosa estendia aos
habitantes daquela ampla península sulcada por múltiplas enseadas abertas ao
Mar Egeu.
Muito tempo depois, Hélade, jovem e bela helena na flor da idade, instruída
na cultura mitológica do seu país, estando um dia em folguedos com as amigas
na almargem litoral das terras de seu pai, não estranhou, quando um boi muito
branco se separou da manada e se aproximou das donzelas, manso e sedutor.
Imediatamente
lhe
acudiu
ao
pensamento
a
história
pitoresca
da
sua
antepassada Europa, que, por via da mansidão encantadora de um boi
resplandecente, fora raptada, levada para Creta e seduzida.
O relato mitológico não era sequer inquietante, porque o boi que raptara
Europa não fora outro senão Zeus disfarçado, querendo aproximar-se da formosa
mortal sem suscitar os ciúmes de sua mulher, Hera. Além disso, a história não
tinha terminado mal: Europa tivera três filhos de Zeus, que foram homens
importantes do seu tempo.
Os chifres do boi que se acercou do grupo de Hélade tinham a forma de
duas luas em quarto crescente e deitou-se aos pés da jovem. Assim, foi quase
natural acariciar-lhe o lombo e a cornadura e, pouco depois, enfeitá-la com
grinaldas de malmequeres e outras flores silvestres. O pelo macio e luminoso do
boi, a sua mansidão, a euforia juvenil do grupo e até a expectativa de uma
grande e excitante aventura levaram a donzela a arriscar subir para o dorso do
belo animal. Como ela temia ― ou desejava? ― o boi levantou-se e em passo
ligeiro dirigiu-se para a praia, atravessou a areia e entrou no mar, perante os
gestos animados e os risos divertidos do grupo de jovens.
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